2 Reais
- rannison rodrigues
- 20 de jun. de 2021
- 4 min de leitura

Domingo é dia de correr. Normalmente, vou para a montanha, mas hoje precisei ficar no plano (se é que se pode chamar algum lugar de São Paulo de plano). O dia estava bonito, um friozinho agradável, com sol e pouco vento. Me preparei e fui correr. Só mais um dia de treino sem nada de diferente. Fui olhando as pessoas passando, as famílias, o casal de idosos caminhando de mãos dadas, os cachorros arrastando seus donos pelas coleiras, o tráfego na ciclovia.
De vez em quando, precisava parar alguns segundos e esperar algum semáforo fechar. Depois que os carros passavam, continuava o treino. E assim fui até, mais ou menos, a altura dos 10 km (tinha saído para correr 12). Quando parei para esperar os carros passarem, notei um homem, aparentando seus 30 e poucos anos, numa cadeira de rodas. Mas, não era qualquer cadeira de rodas, estava adaptada como aquelas que vemos em competições de basquete ou rugby para cadeirantes. No segundo relance que tive dele, percebi que ele estava com uma bola de basquete no colo. "Ué, como assim?" pensei intrigado.
Esperei a próxima onda de carros passar e o sinal fechar novamente. E lá foi ele. Pegou a bola de basquete e começou a fazer evoluções com uma habilidade impressionante. Bola para lá, bola para cá e, tcham ram! Ele parava, colocava a bola no colo e ia passando ao lado dos carros, pedindo uma merecida recompensa pelo show que acabara de proporcionar. "Que legal! Agora vai rolar uma salva de buzinas, com certeza." pensei eu. Mas, não. Nem buzinas, nem dinheiro, nem um bom dia. Nada! O rapaz ia passando e encontrando as janelas fechadas.
E quando ele já ia saindo da frente dos carros para voltar ao lugar onde ficava esperando até o sinal fechar novamente, decidi que, já que tinha visto o show do cara, ia fazer minha parte com o couvert artístico. Atravessei a rua, peguei uns trocados que estavam comigo, cheguei perto dele e falei "Boa! Você é atleta?"oferecendo a ele dois reais. Eu sei, são só dois reais, mas era o melhor que eu tinha a oferecer naquele momento.
O cara abriu um baita sorriso e aceitou o dinheiro. "Sou sim. Sou atleta amador de basquete! Obrigado, deus te abençoe!" Não fiquei para saber mais, embora quisesse. Ele tinha que trabalhar, eu tinha um treino para terminar e ainda precisava escrever. No fim do treino, fiquei pensando em porquê não fazer isso mais vezes. Se, todo dia, durante um mês, eu der dois reais a alguém que precisa, seriam, no máximo 62 reais. A gente gasta até mais que isso com bobagens, então, porque não? Dar uma força, mesmo que seja com pouco dinheiro, já é melhor do que não fazer nada a respeito.
Foi aí que comecei a pensar sobre em que momento; se é que havia algum; eu decidi não fazer algo a respeito. É claro, não dá para resolver os problemas do mundo, mas fazer assim tão pouco está ao alcance de, praticamente, todos nós. E comecei a lembrar das desculpas que criei para mim mesmo: "Ele vai pegar esse dinheiro e vai gastar tudo com cachaça." ou então, "Esse cara aí tá só fingindo para pegar o dinheiro dos outros." e ainda "Esse sujeito tá melhor do que eu. Só aí no sinal, ganha uma fortuna." Mas como é que pode a gente acreditar numas histórias dessas? E o cara do sinal não estava só pedindo, ele oferecia algo em troca da ajuda que precisava.
Veja, se uma pessoa gastar toda bagatela de dois reais, que dei a ela, em pinga, em primeiro lugar não vai conseguir muita cachaça, em segundo, eu perdi dois reais. Não tem ninguém nessa relação ganhando e nem perdendo grande coisa. Se o cara estiver mesmo só fingindo ser um esmoleu, quando na verdade é um xeique saudita curtindo o fim de semana mendigando, dois reais não vão fazer diferença no império petrolífero dele e nem no meu orçamento mensal, mas já pagam pelo espetáculo teatral e pela caracterização que está me oferecendo. Continuamos ambos nem perdendo e nem ganhando substancialmente. E se o cara realmente já tiver construído a Esmola S/A, feito IPO e ainda assim continua indo para o sinal esmolar, merece os dois reais e é um exemplo para muitos CEOs, e continuamos na mesma. Então, não é pelo dinheiro.
Percebi que, ao longo da minha vida, fui contando essas histórias para mim mesmo para me tornar insensível. Quanto mais eu repetia esses argumentos, mais me anestesiava e ignorava a dor alheia à minha volta. Ia me convencendo de que o egoísmo era uma espécie de profilaxia e tomando doses homeopáticas de conversa-para-boi-dormir. E quem adormeceu foi minha fraternidade, minha generosidade. Mas, não mais!
Peguei 30 reais, passei no bar aqui do lado e pedi para o cara trocar tudo em notas de dois reais. Ele não entendeu nada. Logo de cara disse que não tinha. Aí, eu expliquei que não sou maluco. Falei que queria dinheiro trocado para dar esmola. O cara começou a rir na hora e, com certeza, começou a me achar ainda mais esquisito. Fosse como fosse, riu, mas trocou o dinheiro. Desafio lançado para mim mesmo! Pelo menos dia sim, dia não, alguém que precisa receberá dois reais de mim. O bambuzinho da Dona Nonô está crescendo que dá gosto, então, estou confiante para o próximo desafio. Anima entrar nessa comigo e fazer aí perto de você também?
Penso da mesma forma... o que o outro vai fazer não importa. Vc vez sua parte, e Deus olha seu coração e sua intenção...