top of page

A Amnésia Nossa de Cada Dia


Eu não conhecia a direção competitiva até vir morar em São Paulo. Veja, o trânsito do Rio não é um carrossel com unicórnios rosados sorridentes. Mas, por aqui as pessoas não dirigem para chegar, dirigem para conseguir alguma vantagem, que só elas veem, sobre as outras. Não é que queiram chegar antes de você. Elas só não querem que você avance mais do que elas. Fiquei impressionado e bem irritado quando comecei a perceber isso. Lembro como se fosse agora, numa das viagens para o interior do estado, ia pela faixa da direita e o carro à minha frente estava a uns 60 km/h numa pista com limite de 120 km/h. Tudo certo, direito dele. Dei seta à esquerda e acelerei, era só passa-lo e avançar numa velocidade mais do meu agrado. Quando percebeu minha intenção, o outro motorista acelerou para eu não passar. Não entendi. Mas, voltei para a direita, afinal aquela velocidade funcionava para mim. Aí, ele voltou para os 60 km/h. Tentei ultrapassar novamente, sem pressa. Ele repetiu a manobra e eu percebi o que estava acontecendo. Na terceira tentativa, passei fácil. Meu carro era mais potente e, confesso, que, investi de forma bastante incisiva. O nó dessa situação é que, para mim, se ele fosse a 15 km/h ou a 150 km/h, tudo bem. Mas ele só queria que eu fosse mais devagar que ele. Segui meu caminho, mas a pergunta ficou comigo: “O que é isso?” E, olha, acontece o tempo por aqui. Uma chuva de “barbeiragens” sem nenhum ganho real que justifique o risco. É como uma competição que só existe na cabeça do sujeito. O tempo me deu a resposta: isso é amnésia. Esquecemos o sentido de estar dirigindo. O objetivo era só chegar em casa, mas, de repente, passa a ser incomodar o sujeito do carro ao lado. E o trânsito é como a vida humana. O fluxo e a velocidade do progresso dependem diretamente da nossa capacidade de seguir o melhor possível sem prejudicar os demais. Estranhamente, esquecemos disso. Queremos ir mais rápido que os outros ou diminuir a velocidade da progressão alheia, ao invés de dirigir o melhor possível. Pode até parecer que, se eu for mais rápido do que você, estou em vantagem. Mas, estamos indo tão rápido para onde? Amnésicos, nos esquecemos e estamos concentrados em “ir melhor” do que os outros. Essa é, sem dúvida, a maior fraqueza do homem. Tudo que somos se vai com ela. Todo o prazer e sentido da vida, perdidos pelo esquecimento. Lembro de um evento em equipe, em que me abri e disse que meu maior medo era me esquecer de quem sou. Me olharam estanho, como se eu tivesse alguma contado alguma piada que ninguém entendeu. Uma das pessoas chegou a me dizer que aquele era o sonho dela, que até pagaria para esquecer. “Rapaz, mas que vida é vazia assim?” pensei comigo mesmo. Seja como for, até aqui, entendi que esquecer é a nossa pior fraqueza. Porque nos limita, desnorteia e debilita. Remoer é tolisse, como carregar, desnecessariamente, uma mochila pesada. Mas esquecer-se é perder-se. Por isso, vou ousar uma sugestão: lembre-se. Faça um esforço. O que você está fazendo da sua vida? Por que está fazendo isso? Foi o que prometeu fazer com seu tempo nesse mundo? Quem é você? Lembre-se. Por que você olha para o lado e acelera quando os outros aceleraram? Esse é o seu caminho? Onde ele leva? Recuse-se a esquecer. Estamos aqui pelos diamantes, não pelas velas. Estamos de passagem, voltando para casa. Não é sobre ir mais rápido que os outros. Seguir o seu caminho é mais importante do que chegar primeiro. A estrada pode até ser a mesma, mas nada pode te impedir de chegar em casa se você apenas lembrar e continuar lembrando todo dia. Boa segunda!

 
 
 

Comments


Since 2021. por Rannison

bottom of page