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A Beleza Importa


Quando eu tinha uns 10 ou 11 anos, lembro de pegar um dos panos de prato que a minha mãe deixava na cozinha e enxugar as mãos com ele. Ao ver o que eu estava fazendo, ela me advertiu “Esse aí não é para enxugar a mão. Toma esse.” me disse, pegando o que eu estava usando e estendendo outro na minha direção. Confuso, perguntei “Ué, mãe. Mas não é tudo pano de prato?” e ela respondeu “Sim, mas este aqui é só para ser bonito.” e colocou-o de volta no lugar. “Só para ser bonito?” me perguntei, incomodado. Tempos depois, eu entenderia o que ela queria dizer: a beleza importa. Só ser belo, é muito.

E, confesso que, de início, isso não era uma coisa muito fácil de aceitar para mim. Aliás, sempre me preocupei mais com a função do que com a beleza propriamente dita. Lembro de uma situação em que, ao arrumar a casa, minha mãe perguntou: “Vou mexer na posição da sua cama, não estou gostando dela desse jeito. Você prefere que ela fique assim ou assim?” falou gesticulando e mostrando as direções. Espontâneamente, respondi: “Mãe, eu deito em cima da cama. Coloca como você quiser. Tanto faz.” e ela riu feliz de poder fazer as revoluções que de tempos em tempos fazia na decoração.

Mas a beleza nunca me passou despercebida. As meninas bonitas da escola, os tênis e roupas bonitas, as músicas. Só que eu a deixava em segundo lugar. “Beleza não põe mesa” ouvi dizerem muitas vezes. Mas, com o passar do tempo, fui dando cada vez mais atenção e valor à beleza nas coisas e, hoje em dia, acho que o que distingue uma coisa tediosa de algo admirável é a beleza. E, por favor, não confunda beleza com boniteza.

Para onde você olhar hoje vai encontrar boniteza. Pessoas com corpos e rostos bonitos, com roupas e carros bonitos, com os filtros e as poses certas. Essa é a boniteza, que tem seu valor, mas que nem se compara à beleza. Para ficar mais claro, pense numa sitação em que que você conhece aquela uma bonita, mas que é tão feita que só tem boniteza. Então, isso não é beleza. Beleza é aquela coisa que toca a alma da gente. Aquela pessoa bonita, que faz a gente abrir um sorriso pelo seu jeito, pela naturalidade, pela energia que emana. A beleza verdadeira eleva a gente.

Sempre disse que recém-nascido tinha cara-de-joelho e não guardava a menor dúvida de que quando meu filho nascesse, pensaria o mesmo. Errei feio. Era lindo, mesmo avermelhado, sujo de fluidos humanos, chorando a plenos pulmões, logo depois do parto. Uau! A beleza, pura e simples da vida. Isso eleva a gente. Hoje, parado no sinal de trânsito, vi um cara sair do carro, abrir o porta-malas e pegar das próprias compras para dar a um pedinte. Rapaz, achei aquilo tão bonito que meus olhos encheram d’água. Você precisava ver o sorriso no rosto da pessoa.

É quase impossível ser humano e não ser tocado por uma situação assim. Essas coisas vão num ponto profundo dentro da gente e fazem sentir um misto de prazer com saudade. É como um orgulho, misturado com admiração, pelo outro e por nós mesmos ao mesmo tempo. Como é bom ser humano em contato com a beleza de verdade. E essa beleza, acho eu, não está sujeita ao gosto. É um negócio tão potente que trespassa as camadas racionais, de cultura, de educação, de gosto.

Ler Drummond, presenciar um gesto humano, ouvir a ode à alegria na nona de Beethoven ou as palavras de sabedoria de alguém interessado apenas em fazer o bem pelo bem, são exemplos de situações de contato imediato com a beleza. E esse contato, invariavelmente nos move de um plano para outro. Saímos de um nível de consciência e, por alguns instantes, desfrutamos do prazer de acessar esse lugar ao qual só a beleza nos leva. E é por isso que a beleza importa.

Um pano de prato bonito é mais que apenas um portador de boniteza. Ele é um gesto de cuidado humano com o seu lugar, um convite à beleza para que se chegue e se demore, para que tome mais uma xícara de café antes de ir. Minha mãe estava tentando acessar essa virtude com uma pequena peça de algodão. Mas a vida dá a cada um de nós, todos os dias, inúmeras possibilidades de acessar a beleza. Com os nossos pensamentos, com as nossas emoções, com as nossas palavras. Chances de nos elevar e passar alguns instantes naquele lugar onde somos mais do que nós mesmos. Orgulhosos e admirados da nossa própria condição humana e da potência que reside em nós. Boa segunda.

 
 
 

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