A Estrela Escondida
- rannison rodrigues
- 4 de jun. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 5 de jun. de 2021

Quando conheci a Dani, confesso que não entendi bem o que ela procurava. Tinha sido aprovada no programa de estágio da empresa em que trabalhávamos e acabara de entrar para a área de RH. Entre as atividades, ela poderia escolher: recrutamento e seleção, treinamento e desenvolvimento, ou uma atividade generalista como Business Partner.
Quando foi conversar com as pessoas de cada uma dessas subáreas para definir qual escolheria, bateu um papo comigo sobre como era o meu trabalho. Dias depois, me confessou que odiou a conversa. "Não queria trabalhar em TA por causa da nossa conversa. Foi péssima, não entendi nada." Lembro como se fosse hoje do momento em que ela me falou isso. Ri um bocado e entendi perfeitamente o que ela quis dizer.
Quando falamos, fui pouco preciso. Dani queria respostas claras, precisas, bons balizadores. Engenheira que é, precisava de um pouco mais de substância, um pouco mais de parâmetros. Deixei ela confusa, acho. Mas, o fato é que a Dani ficou na mesma subárea que eu e com o tempo, trabalhamos juntos em algumas ocasiões. Numa delas, precisávamos criar um treinamento. Eu, que estava totalmente assoberbado de coisas, deixei 95% do trabalho com ela. E ela arrebentou!
O ajuste de ponteiros não foi simples. Eu e Dani víamos e acho que ainda vemos, o mundo de maneiras diferentes. Mas o que importa aqui é que, quando aquela menina franzina, de fala tranquila, entrou em ação, entendi a potência que havia nela. "Essa menina é foda" lembro de ter pensado, "vai voar". E Dani tentou voar, mas, não deu certo. Pelo menos não na empresa em que estávamos.
Uns dias depois de termos concluído o projeto, nossa protagonista passou a trabalhar em outras coisas. Ficou mais próxima da sua liderança direta e, começou a fazer de tudo um pouco. Com o tempo, se ressentiu daquela dinâmica. Queria estar mais concentrada em algo que pudesse realizar do início ao fim. Para além disso, algumas questões pessoais estavam minando a resistência da Dani. E, junto com tudo aquilo, começaram a aparecer algumas insatisfações com a gestão direta.
Um dia, entramos numa sala de reunião, apenas eu e ela, para fazer não lembro bem o quê. Dani, na minha frente, laptop aberto, ia falando e chorando. Demorei a perceber que ela estava chorando, porque estava lendo e falando algo. Mas quando vi, fiquei sem reação. Nunca foi natural para mim dar apoio emocional. Mas, sabia que poderia dar um ouvido atento, pelo menos.
Quando perguntei o que ela estava sentindo, muitas coisas surgiram. Dani queria avançar, queria se sentir útil. Tinha recebido uma avaliação muito ruim e além disso estava com problemas de ordem familiar. 22 anos de idade, longe de casa, longe de tudo que conhecia, por causa do trabalho, sem família por perto, com problemas na família longe. Tudo que ela tinha pra manter-se forte era aquele trabalho; o primeiro da carreira; onde estava sendo mal avaliada. Dani estava profundamente triste. Tentei encoraja-la, faze-la se sentir melhor, mas não sei se fiz um bom trabalho.
Depois dessa conversa, ela tentou mudar de área, mudar de gestor, mudar de atividade, mudar sua atitude e melhorar a avaliação que receberia. Nada funcionava e ela só se sentia pior. Era como se tivessem rotulado a Dani dentro da empresa. Qualquer coisa que fizesse era vista com uma lente distorcida. Em pouco tempo, ela mesma estava se olhando com a lente errada. E num desses "cafés com confidências", lembro de ouvir a Dani e ficar tão revoltado com a situação, que simplesmente emendei: "Dani, que saber? Você é boa pra caralho! Se não querem valorizar você aqui, procura outra coisa. Vai ser feliz, você é um foguete. Se você quiser eu te ajudo!" Eu mesmo já tinha me decidido a sair da empresa, por motivos parecidos.
Acho que surpreendi ela. Por um tempo não falou nada, depois agradeceu e terminamos o café. Dias depois, pedi demissão. Falei, a quem teve interesse em saber, os meus motivos. Desejei sucesso a todos e me despedi da empresa, a Dani ainda ficaria mais algumas semanas. Nessas conversas "pré-tchau", falamos sobre os planos que ela tinha pela frente. Não consigo explicar ao certo porque, mas sentia que, se ela fosse para uma empresa bacana, com um chefe razoável, seria muito feliz. E não deu outra.
Passado pouco menos de um ano, recebi no whatsapp a mensagem dela dizendo que tinha sido promovida! "Essa menina é foda", pensei. Mas o que me surpreendeu foi um agradecimento. Ela disse que eu a tinha ajudado a acreditar, a reconhecer seu próprio valor, que tinha dado força a ela. Eu, sinceramente, não imaginava que tivesse feito lá grandes diferenças. Mas, confesso que aquilo valia mais do que dinheiro para mim. Fiquei feliz que nem criança com brinquedo novo.
Alguns meses depois, advinha só, outra mensagem dela: "Ranni, fui promovida (de novo)". "Essa menina é foda mesmo", pensei. E imaginei aquela menina magrela, suas sardinhas discretas no rosto de sorriso fácil, toda feliz. Nada de lágrimas, nada de tristeza, só alegria pelo reconhecimento do seu trabalho. E, nessa hora, percebi que estava errado. A Dani não era um foguete, como tinha dito, era uma estrela. Acho que não vi logo de cara porque estava apagada na época. Com a luz bem fraca, escondida atrás de umas nuvens de tristeza.
Hoje a estrela está brilhando forte e promete muito, promete demais. Sei que ainda vou ouvir falar muito da Dani. E a história dela me ensinou a olhar e ver. Basta olhar o céu a noite para entender. Olhe você aí, só um instante. Está vendo? As estrelas não brigam no céu. Cada uma tem seu brilho próprio, seu lugar único. Não vá você brigar para ser o que não é, isso só vai te apagar e seu propósito é brilhar, com o seu brilho, no seu lugar único. Brilhe, simplesmente.
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