Apenas Continue…!
- rannison rodrigues
- 1 de jun. de 2021
- 7 min de leitura
Quando a pandemia começou, lembro como se fosse agora, de estar sentado no sofá de casa ao lado de Helena (minha mulher), especulando sobre a duração da quarentena. Algo me dizia que aquilo duraria bastante, mas ela era mais otimista. “Isso não vai passar de duas semanas, você vai ver.”. Helena estava errada. E eu também estava. Não imaginava que passaríamos pelo que estamos passando.
Mas, o tempo passou e aprendi a me instar a seguir adiante, contendo o desânimo, sem reclamar tanto. No entanto, a vida já não tinha o mesmo sabor. Sentia falta até dos engarrafamentos paulistanos, do mar de gente na avenida paulista, sentia falta de liberdade, da natureza carioca. Fui rebelde, saí sem máscara, esqueci de lavar as mãos, empreendi uma cruzada pessoal contra o álcool gel. Bati boca com quem me dizia que devia me esconder atrás de uma máscara. Regateei tanto quanto pude, mas muita gente precisava daquele gesto. Me obriguei a odiar menos a máscara.
E o tempo, claro, seguiu. Trabalhar em casa o dia inteiro (e também à noite, às vezes) sem ver um cenário diferente, sem entender quando o trabalho acabava e o descanso começava, era estranho. Não compreendia direito se estava dormindo no escritório ou levando trabalho pra casa. Acordando de moletom, dormindo de moletom, comendo de moletom, tomando banho de moletom (Foi sem querer, mas aconteceu. Acordar no frio às vezes é difícil rs). E pela minha janela, o mar de caixinhas acessas e apagadas; de outras janelas de outros sujeitos de moletom perene como eu; me encarava e ainda me encara.
A pandemia tem sido dura. E digo isso sabendo que sou um dos sortudos. Minha família está saudável, não perdi ninguém e espero não perder tão cedo. Mas descobri, ao longo desses 434 dias (desde que a COVID chegou em terras brasileiras oficialmente (mas quem está contando?)), que existe beleza e um poder sutil no simples gesto de seguir, de não se permitir desistir, de se rebelar contra o desânimo. Quero compartilhar essa descoberta!
Já passei por uma depressão. Foi uma calamidade para mim. Fiquei bastante disfuncional. Perdi a alegria de viver, ganhei peso, pedi demissão do emprego, terminei um relacionamento de 4 anos. Antes disso tinha pensado algumas vezes em formas de tirar aquele sentimento de dentro de mim. Ora pensava em beber mais e descobrir se funcionaria, ora pensava que talvez, só talvez, morrer não fosse assim tão ruim.
Era muita dor no mundo, pensava eu, muita injustiça e falta de sentido. Acho que sentia isso tudo condensado e amplificado por não ver propósito no que fazia. Ganhei algum dinheiro, é verdade, mas onde aquilo tinha me levado? Não tinha relações sólidas, não tinha prazer no que fazia, não via sentido nas coisas. Mas continuei…
Um dia, acordei, olhei no espelho e fiquei indignado comigo mesmo. Tive vontade de dar um tapa no meu próprio rosto, e bem forte. Senti raiva. Olhei em volta de mim, minha casa estava deprimente, completamente bagunçada, sem vida. Meu rosto, no espelho, era tão deprimente que senti vergonha de mim. Pensei comigo mesmo: “Você é um Ironman, caralho! Toma vergonha na cara.” e me lembrei de cruzar a linha de chegada e ouvir: "Rannison, You are an Iroman!"
Aquele pensamento me despertou. Assim, de repente, peguei o remédio, joguei fora, fui cortar o cabelo, comprei comida de verdade, arrumei a casa e comecei a decora-la direito, passei a praticar Yôga e voltei a correr aos poucos. Terminei projetos que estavam parados. Apliquei para outras vagas de emprego e uma semana depois estava viajando do Rio de Janeiro para São Paulo: entrevista final. Proposta recebida e aceita, emprego novo. Me mudei.
Trocar Copacabana por Pinheiros não foi exatamente um sonho. Mas estava feliz com as mudanças de cidade e de perspectiva. Passei a aprender o que podia, a explorar São Paulo. Viajei tanto quanto pude, conheci bastante gente, principalmente pessoas que trabalhavam na mesma empresa que eu. Entre elas, estava Helena. Me apaixonei.
Me coloquei alguns desafios pessoais. Mudei de emprego para ser co-fundador de uma consultoria, comecei a escrever um livro, comecei a me dedicar às corridas de montanhas, corri El Cruce de Los Andes, projetei novos desafios para 2020, a COVID chegou. Veja só, eu estava engatando a terceira marcha quando a pandemia chegou. As coisas iam bem.
Mas, de repente, a empresa que eu tinha acabado de abrir em São Paulo estava em apuros. Não conseguíamos novos clientes, os boletos estavam chegando e, 4 meses depois de abri-la, descobri que Helena estava grávida. David chegaria em breve. Eu tinha que fazer algo a respeito. O tempo passou e a situação não melhorou muito.
Minhas sócias estavam em um momento diferente da vida. Tinham mais fôlego para lidar com o que estávamos vivendo. Não era o meu caso. Mas, como tenho sorte, em setembro recebi uma proposta indecorosamente agressiva de um cliente. Estava salvo, pensei. A empresa era interessante, a minha líder parecia inteligente e capaz, e a remuneração era ótima. Me despedi das minhas sócias que, acho, ficaram um pouco sentidas. Mas eu precisava ir.
Assumi os custos da sala que tínhamos alugado para que não ficassem com o orçamento comprometido e segui em frente. Comecei animado na nova empresa. Meu coração dizia “Não vá!” mas, mesmo assim, fui. Fiquei apenas 3 meses. Um burnout me ajudou a decidir. 2 meses para o David nascer e eu estava atolado em trabalho e bem abalado fisica, mental e psicologicamente. Trancado em casa trabalhando o dia inteiro, infeliz.
Então, quando eu já me preparava para dar a notícia à minha chefe, recebi uma ligação. Assim, sem mais nem menos. Depois de algumas rodadas de conversa, veio a proposta “Você teria interesse de ser o COO da nossa empresa e meu co-founder?”. Não acreditei de imediato e nem entendi direito, mas aceitei. Continuei. Pensando bem depois, talvez devesse ter avaliado mais. Mas estava realmente desesperado para sair de onde estava. Esse é sempre um péssimo motivo para aceitar uma proposta de emprego, eu sei.
Mas, nessa época, eu estava muito próximo de outra depressão. Não conseguia estar realmente com a minha família. Com aquela barriga pontuda da Helena (que saudade!). Me consumi em pensamentos ruins, em tempo mal gasto, investido onde não deveria. Talvez a empresa nova, sendo menor, me desse uma oportunidade de colocar a cabeça no lugar. Não foi assim. Trabalhei ainda mais do que antes.
Dia, noite, madrugada. Calls, reuniões, e-mails, planilhas. Reestruturar uma empresa, reposicionar uma marca, implementar um modelo de negócios novo, criar novos produtos. Muito atrito, muito suor. Funcionou. Hoje, enquanto escrevo isto, ainda há um caminho longo pela frente. Mas aquele esforço inicial rendeu frutos.
David nasceu no dia 12 de Janeiro de 2021 às 23:30, gritando alto. Era forte, perfeito, um milagre em forma de gente. Não dormi naquela noite e nem dormiria direito nos 3 meses seguintes. Lembro de sentar um dia na cama e pensar que nunca tinha me sentido cansado daquele jeito. Não era apenas físico, era mental, era emocional também. Não conseguia sentir alegria com aquele momento tão especial. Era duro pensar naquilo. Mas, ainda assim, continuei.
Os dias que se seguiram foram muito desafiadores para mim, para Helena, para David. Como pai noobie não sabia o que fazer quando, de madrugada, ele desatava a chorar se retorcendo de dor. Descobrimos que era cólica, demos o probiótico, cuidamos para que melhorasse, mas ver um garotinho indefeso se retorcendo de dor nos braços da gente não é agradável. Eu estava no modo automático: simplesmente faça. Não hesite, não negocie, não admita derrtoa, só faça acontecer. Dormia mais ou menos 4 horas por noite e sempre ficava com o turno da madrugada, acordado boa parte do tempo porque o David não dormia bem ainda. Aquilo estava realmente exigindo de mim.
Acho que há momentos na nossa vida em que tudo que a gente quer é chorar um bocado. Assim, largado, sabe? Não conseguia fazer isso. Seja pelo que for, chorar simplesmente não acontecia para mim. Me lembro uma noite, com o David chorando no colo, de olhar pra ele e sentir certa inveja. Discuti com Helena, discuti com a família, discuti com as pessoas do trabalho, eu estava lutando pela minha sobrevivência.
Ninguém estava me ameaçando, eu sei. Mas, suponho que meus níveis de cortisol não estavam me ajudando a entender isso, nem mesmo com o David. Me irritei, esbravejei, fui um pai noobie level hard. Estava no meu limite conhecido até então. Certo dia, depois de colocar o David para dormir, sentei no sofá. E pensei comigo mesmo: “O que eu faço agora? Acho que não consigo mais.”
Fisicamente, mentalmente, emocionalmente e até espiritualmente (acho), nunca tinha passado por uma situação daquelas. Minha vida não tinha sido nada fácil até ali, mas aquilo estava realmente me testando: pandemia, outro pré-burnout, filho recém-nascido, start-up de empresa. Mas, continuei. O tempo passou e cheguei a hoje.
As coisas não estão perfeitas. Esse não é um "E foram felizes para sempre". Mas hoje acordei como naquele dia em Copacabana, com aquele sentimento. Dessa vez não tive vontade de me estapear. Simplesmente decidi escrever isto. E isso me fez lembrar de todo o trajeto até aqui. De cair e levantar. De fraquejar e encontrar forças. Me lembrou de momentos muito, muito piores do que esse, fez ver que a beleza da vida está em continuar. Em buscar progredir todo dia, um metro, um palmo, um centímetro, um milímetro.
Dias difíceis sempre existirão. Eles são oportunidades de fortalecer a nossa fé em nós mesmos e no que há dentro de nós. Eles nos ensinam, nos deixam mais fortes. Esses dias nos fazem duvidar e acreditar ao mesmo tempo, porque duvidamos da nossa própria capacidade de superação e acreditamos que dali não é possível avançar. Estamos errados, como eu estava no início da Pandemia.
Observe bem o caminho. Veja a beleza oculta, procure pelo lado luminoso de cada coisa. Na Pandemia, até aqui, passei por momentos difíceis, mas também vivi muito: abri uma empresa, mudei de endereço, mudei de emprego, me tornei pai, mudei de emprego de novo, ajudei a construir outra empresa, comecei a escrever um livro e decidi nunca mais abandonar o meu amor pela escrita. Sou feliz por ter entendido, sou grato por todos os “perrengues”que me trouxeram até aqui.
Então, seja lá quem você for, onde quer que esteja no tempo ou espaço. Quando ler isto, saiba que este que vos escreve, passou por dias difíceis, dias de dúvida, dias de medo, dias de solidão, dias de exaustão, dias de fraqueza. Mas esses dias agora são só histórias para contar. Você também consegue, aguente um pouco mais. Continue! O seu caminho pode ser muito criativo, pode ser muito curativo. Basta procurar o lado luminoso das coisas, basta confiar no caminho e em você, dê o próximo passo, o chão virá. Seja para onde for, mesmo que mude a rota, apenas vá. Não se detenha. Apenas continue…!

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