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Confissão de Um Headhunter

Há alguns anos trabalho com recrutamento e seleção. Sempre me encantou a ideia de procurar, identificar e escolher os melhores. Mas, veja só, depois de alguns anos nessa vida, descobri que esse negócio de "melhor" é muito relativo. E, mais do que isso, entendi que recrutamento tem a ver mais com percepção do que com realidade, como praticamente tudo na nossa vida.

Logo que comecei, me concentrava no currículo, nas experiências, na faixa de remuneração. Aos poucos, a realidade foi me mostrando que só saber fazer o trabalho não era o suficiente porque o "mais capaz", nem sempre era o escolhido. Por isso, durante um tempo, achei que as empresas não selecionavam de maneira objetiva, concentradas nos resultados. Depois, parei de só achar e passei a ter certeza.

O meu trabalho não era encontrar o profissional mais capacitado, e sim aquele que se encaixava melhor numa vaga específica. São duas coisas diferentes. Quando descobri isso, entendi que o termo headhunter estava errado. Não estávamos no negócio de "caçar cabeças (intelectos)", o negócio era completamente outro. Era preciso mais do que inteligência, era preciso encontrar "sintonia".

Acredito que somos todos recrutadores. Atraímos as pessoas à nossa volta, escolhemos as que vão permanecer e nos dedicamos a manter por perto as que queremos que fiquem. Todo mundo sabe como fazer "recrutamento e seleção", então, porque foi tão difícil para mim entender qual jogo estava jogando? Acho que me deixei levar pelos ternos e pelo discurso empolado, esqueci o que realmente importava.

Depois de algum tempo passamos a ouvir o que as pessoas realmente querem, ao invés do que dizem querer. Ninguém quer trabalhar com um gênio estúpido e ofensivo, nem com alguém que tem MBA em Harvard mas é tóxico e, o mais importante, ninguém quer ter que te dizer isso. Isso é o básico, certo? Então, realmente não tem a ver com a cabeça. Talvez, pensei, tenha a ver com o coração.

Me senti muito tolo à época. Quando cheguei a esse pensamento, vivia num ambiente que me desencorajava a pensar assim, mas essa ideia permaneceu comigo ao longo do tempo. Hoje, olhando em volta e tendo trabalhado com tanta gente diferente, tenho certeza de que estava certo. Escolhemos cada vez mais pelo que sentimos e cada vez menos pelo que "vemos". Porque já fomos tão enganados pelas aparências, pelos filtros, pelas maquiagens, pelas "grifes" que só essas coisas não convencem mais.

Perceber isso me ajudou a aceitar o fato de que eu nunca fui realmente um headhunter. A cabeça era muito pouco, sempre foi e sempre será. O que eu buscava era o jeito, o sorriso, o desejo de vencer, o entusiamo, a criatividade de cada um. Talvez a cabeça tenha alguma parte nisso, mas é preciso mais. E como outros headhunters, recrutadores, talent "acquirers" (e vários outros títulos criativos) por aí, eu estava procurando mais.

Mas o que era esse mais? O coração? A alma? A essência? Isso me tornava um hearthunter, ou um soulhunter? [Parece até nome de jogo de vídeo game]. O que é esse tal de talento que tanto falam por aí? De onde vem? Por que o recebemos de mão beijada, afinal? Onde se esconde? Como se descobre? Com um teste, ou será que entrevistas são suficientes? O que nos mostra essa centelha, essa força que chamamos de talento? Não sei, mas parece que intuímos, sentimos ele.

O que eu sei é que depois de anos trabalhando, buscando, selecionando, nunca encontrei uma pessoa sequer que não tivesse talento. Sei que o mundo está repleto de potencial, que podemos mais do que realmente queremos e que não escolhemos só com a cabeça. Então, essa é a minha confissão: até aqui só o que fiz foi tirar as sombras da minha frente para entender que não é sobre "caçar cabeças", que nunca fui um headhunter. Eu estava aprendendo a ver a vida, as pessoas, o mundo. Estava aprendendo a enxergar e continuo aprendendo. E você?


 
 
 

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