Despretensiosamente
- rannison rodrigues
- 20 de fev. de 2022
- 4 min de leitura

Quando comecei este blog, queria, antes de tudo, falar comigo mesmo. Ainda acho que parte do que escrevo nele pode me servir no futuro. Mas, a trajetória até aqui me surpreendeu e continua surpreendendo. Despretensiosamente, o que escrevo foi ganhando espaço na vida das pessoas. E isso me deixa muito feliz.
Pense num cara tímido, de nome esquisito e bastante CDF. Na minha infância e início da adolescência, eu era esse cara. Não que me faltasse assunto. Na verdade, minha timidez era antes um pretexto para observar a vida. Tentar entendê-la era fascinante e, dentre as coisas que descobri, duas despertavam especial interesse: o ser humano e o universo.
Mas, esses universos ambulantes que chamamos de pessoas, eram, de longe, meu principal interesse. Por que faziam o que faziam? Como podiam mudar tanto de uma hora para outra? Como conseguiam ser tão diferentes em suas igualdades e tão iguais em suas diferenças? Observava e absorvia. E mesmo quando passei a falar pelos cotovelos, nunca me abri demais.
Sempre preservei íntimo aquele espaço de compreensão, ainda que limitado, que não se subordinava à racionalidade, nem se prendia às modas. Esse lugar interno que mais parece um misto de emoção, fé e certeza. Quando tentava conversar com alguém sobre o que via, eram muito poucos os que se interessavam, menos ainda os que entendiam. E, com o tempo, achei que isso não tivesse nenhum valor prático para outras pessoas.
Mas a vida tem suas surpresas e descobri que, para algumas pessoas; mais do que eu poderia supor; o que penso e vejo, faz sentido. Tem valor prático e, para minha felicidade, tem importância objetiva. Ao longo do tempo, descobri, com os relatos delas, que a verdadeira utilidade está no que somos e não no que temos ou parecemos. Que nossa função como micro-universos é nos tornarmos mais nós mesmos, sendo assim, ao mesmo tempo, mais de tudo.
Já fiz algumas coisas na vida que me fizeram sentir idiota. Como, por exemplo, abrir mão de um bom dinheiro para ajudar alguém que, provavelmente, não faria o mesmo por mim. Já me expus para ajudar pessoas que não apenas não entenderam o que eu estava fazendo, mas mesmo depois de se beneficiar do apoio, foram contra mim e até me acusaram. E não digo isso para parecer santo, mas para ilustrar porque preferia não compartilhar o que penso. Entretanto, escrever me ajudou a lembrar: eu vim ao mundo pelos diamantes.
Há uma parábola muito interessante que conta a história de um fabricante de velas. Muito pobre e passando por dificuldades, com o dinheiro que ganhava vendendo suas velas, mal conseguia alimentar a família. Apesar disso, intimamente, nutria o desejo de riqueza e de dignidade. Foi então que ficou sabendo da ilha dos diamantes. O navio para ilha partia a cada 7 anos e aqueles que voltavam de lá, contavam as maravilhas do lugar. Por lá, dizia-se, havia diamantes por todos os lugares.
Após investigar o fato e se convencer de que era uma boa oportunidade, o homem trabalhou até juntar o dinheiro para a viagem. Naquele ano um navio sairia a caminho da ilha e no dia da partida, despediu-se da família prometendo "Voltarei um homem rico." Após a dura viagem, chegou à ilha onde, realmente, havia diamantes por todos os lados. Começou imediatamente a encher seus bolsos com as pedras, mas logo foi advertido que ali diamantes não valiam nada, afinal, estavam em todos os lugares.
Ele ainda tinha sete anos pela frente e precisava sobreviver ali. Curiosamente, velas eram muito valiosas na ilha. E, ao fabrica-las, rapidamente ele tornou-se um homem muito próspero. Então, sete anos depois de sua chegada, muitas pessoas foram despedir-se do homem mais poderoso da ilha: ele. Seu secto o acompanhou ao navio e o carregou com os seus pertences. Após a viagem de volta, encontrou a família no porto com ares de nobreza, poder e riqueza, e lágrimas de saudade. "Eu consegui" disse emocionado. "Sou um homem rico."
Inúmeros baús, muito pesados, foram descarregados e levados até a casa de sua família. Ao chegar, exultantes, foram abri-los. "Abram, vejam a fortuna que nós temos agora." Exortou-os. E, ao abrirem os baús, tudo que encontraram foram velas. 7 anos depois, o homem tinha se habituado tanto aos costumes da ilha, que esqueceu os diamantes e voltou para casa com uma fortuna que não valia nada ali e sem nenhuma pedra preciosa.
Por algum tempo; acho; eu fui esse homem. Mas, me lembrei. A vida é uma ilha que estamos visitando. Os diamantes são as oportunidades de compartilhar e elas são tão numerosas que não prestamos atenção por causa das necessidades aparentes que o dia-a-dia nos impõem. Presos aos valores da “ilha”, esquecemos o verdadeiro objetivo de estar aqui. Viemos para compartilhar.
E, me sentindo idiota por prezar pelos diamantes que a vida me trouxe, quando o mundo todo me dizia para valorizar as velas, eu corri o risco de voltar para casa carregando apenas velas. Mas, não. Não mais. Graças a você que me lê, graças ao acaso, a esse blog. Despretensiosamente, me lembrei que estou aqui pelos diamantes. E você também está. Boa segunda!
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