Duas Vozes
- rannison rodrigues
- 7 de ago. de 2022
- 4 min de leitura

Há uma lenda que fala de um velho cherokee que, ao ensinar seus netos, contou: “Neste momento há uma luta, entre dois lobos, sendo travada dentro de mim. Um é o medo, a inveja, a tristeza, o ressentimento, a arrogância, a culpa, a inferioridade, a mentira. O outro é o amor, a alegria, a delicadeza, a benevolência, a empatia, a generosidade, a verdade, a fé. A mesma luta está acontecendo dentro de vocês e de todas as outras pessoas.” As crianças pensaram por um momento e pergutaram: “Qual dos lobos vence?” Ao que ele respondeu: “Aquele que eu alimento.”
Frequentemente, lembro do velho cherokee. Afinal, há mesmo dentro de nós as duas polaridades. Se os átomos, de que toda a matéria é composta, têm cargas positivas e negativas, porque seria diferente com a gente? Mas, há um detalhe que considero mais interessante no ensinamento: A luta nunca acaba. Não há uma vitória definitiva. O lobo vencedor precisa lutar novamente no instante seguinte. O mal e o bem nunca se dão por vencidos. Deus e o diabo estão sempre em batalha dentro de nós.
Nunca me considerei uma pessoa religiosa. Me vejo, isso sim, como alguém que respeita aquilo que é sagrado para o outro. Se é um carro, uma bituca de cigarro ou a imagem de um santo, isso nunca fez diferença para mim. Sempre respeitei o sentimento, a intenção, a maneira como as pessoas se portam diante das coisas que consideram sagradas.
Quando, por exemplo, a gente vê um músico afinar seu instrumento, concentrado, cuidadoso, buscando aquela nota limpa e perfeita, por puro amor à música, isso não é digno de respeito? Aquilo não é também sagrado para ele? Também não o conduz a Deus? Por acaso isso não alimenta o lobo bom? Sempre me perguntei sobre isso enquanto ia buscando entender mais sobre as religiões. Nas minhas incursões, por igrejas, templos, terreiros ou centros espírita, uma única coisa parecia se confirmar: Deus e o diabo estão realmente dentro de nós.
Para mim, nunca fez sentido doar 10% do que eu ganhava porque alguém estava num pulpito gritando, suando, girando e prometendo expulsar demônios sabe-se lá porque. Não é um crítca, por favor, entenda. Mas, para mim, não fazia (e ainda não faz) sentido. Eu poderia doar aquele dinheiro para uma obra assistencial ou para alguém pobre, e pronto. Já não estaria fazendo o bem ao meu próximo? Aquilo não seria até mais apropriado?
Lembro que quando tinha uns 6 ou 7 anos, fui à igreja com a minha vó, muito devota da fé católica. O padre pediu que doacemos o que pudéssemos. Comovido, doei meus tostões de garoto. Mas, quando chegou a hora de receber a óstia, fui informado de que apenas aqueles que tivessem feito a primeira comunhão poderiam recebê-la.
Achei aquilo um ultraje, me senti rejeitado. Tinha colaborado como todo mundo. Por que não tinha óstia para mim também? Jesus tinha multiplicado o pão e dado só para quem tinha primeira comunhão? Não estava certo. Pensei rápido, entrei na fila e menti descaradamente para o padre. Abri a boca, recebi a óstia e fui para casa, sereno. Sem punições a posteriori, acho que Deus concordou comigo.
Aquele garotinho de 6 anos foi de doador generoso, a estelionatário de primeira comunhão em poucos segundos. Como você julgaria o caso no tribunal? Culpado? Inocente? Qual lobo venceu? Você saberia dizer? Seria possível que, em algumas situações, quando o lobo mal vence, é o lobo bom que se alimenta? Até hoje não consigo achar injusto o atrevimento daquele molequinho papa-óstias. Contudo, consigo compreender quem julgar dessa maneira.
Isso porque, ao longo da minha vida eu percebi, de forma muito clara, que não importa realmente o que está acontecendo, mas sim como você vê a coisa. Se você estiver fantasiado de algodão-doce, se achando a pessoa mais bonita da face da terra, assim será (para você). Por isso, penso que as coisas são postas em termos quádruplos e não duplos: (i) o que é bom para mim e para você; (ii) o que é ruim para mim e para você; (iii) o que é ruim para mim, mas bom para você; (iv) o que é bom para mim, mas ruim para você.
E, creio eu, é aí que está o nó da coisa: são dois lobos dentro de muita gente. E, frequentemente, pode parecer que estamos sendo burros alimentando nosso lobo bom. Porque, quando vemos os lobos maus dos outros vencendo e levando a melhor, ficamos putos. A gente se compara, se mede pelo tamanho dos outros, não pensa com a própria cabeça e não entende o simples: não faz diferença.
Não faz diferença o resultado das lutas dos lobos dos outros. Os UFCs canídeos das bilhões de pessoas, não fazem nenhuma diferença para a batalha dos nossos lobos. E, assim penso, cada batalha nos aproxima de pessoas com perfil parecido. Quanto mais nosso lobo bom ganha, mais próximo de outras pessoas que têm os mesmos resultados e mais distantes de pessoas com resultados diferentes. É como um imã. Então, é sobre nós o tempo todo.
Os dois lobos continuam lá, brigando, nunca desistindo, sempre iniciando uma nova batalha. Lembre-se, não acaba nunca. É um erro olhar para os nossos confrades terráqueos e julgar, porque erramos e perdemos tempo. E pior ainda, reagimos e adulteramos a dieta dos nossos lobos. Porque, se eu achar que você leva vantagem alimentando o lobo mal, talvez eu faça a mesma coisa. E isso sim é burrice.
“Não há mal que sempre dure e nem bem que nunca acabe” diz um ditado popular. Acredito que o mesmo acontece ao ser humano e que os lobos do velho cherokee, são aquilo que chamamos de Deus e diabo. Os prótons e elétrons dentro de tudo e de todos: do padre, da vó, do garotinho atrevido. E esse combate eterno dentro de nós, assim penso eu, talvez queira responder a apenas uma pergunta: “Quem é você?”. E, exatamente agora, há duas vozes aí dentro oferecendo conselhos. Qual é a sua resposta? Boa segunda!
Comments