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Eternamente Responsável

“Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.” Nas últimas semanas, tenho pensado muito nessa frase. É como se alguém a falasse ao meu ouvido o tempo todo. Desde que, comecei a escrever o blog tenho me educado a ser real. Escrever o que vivo e viver o que escrevo. Walk the talk. Say what I mean and mean what I say. Mas essa frase… me testa.

Talvez você tenha vivido algum relacionamento disfuncional, onde os motivos estavam errados, as projeções eram resistentes e a toxicidade tornou-se enorme. Vivi um assim. E menti para muita gente dizendo estar feliz, que estava tudo bem. Queria preservar os envolvidos, mas já não havia amor há muito tempo e nem mesmo uma amizade sobreviveu. Difícil situação em que alguém te diz “Procure alguém para você, eu não me importo.” e, ainda assim, a culpa por não amar algo que inexiste te arrasa. Aprendi muito.

Agora solteiro, a vida me deu a oportunidade de conhecer pessoas fantásticas. Inteligentes, fortes, corajosas, inspiradoras, profundas. Quanta sorte depois de uma fase tão difícil! Mas, note, elas são mais que histórias e belezas particulares, são universos repletos de sentimentos. Há uma certa poesia em cada ser humano, como uma música que toca o tempo todo, mas que só algumas pessoas têm a chance de ouvir. Você precisa estar sintonizado naquela frequência para captar.

E para além dos corpos, dos cabelos, dos sorrisos e dos desejos, há a importância. Cada pessoa é importante pelo que é. Não pelo que parece, não pelo que pode oferecer, mas pelo que é. E, para mim, é impossível ter contato com esses mundos sem me deixar tocar por eles. Às vezes, é uma história, um rosto triste, um olhar diferente. Aí, eu faço alguma pergunta, sem maiores intenções. E então, não mais do que de repente, um oceano se abre diante de mim.

Aquelas pessoas confessam coisas, contam histórias, me tocam. E eu quero retribuir, também quero oferecer algo. Mas quando faço isso, lá vem a frase ao pé do meu ouvido: “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.” Sim, mas lidar com isso? Como saber se um gesto vai se transformar em algo que não podemos corresponder à altura? Como nos responsabilizar por algo que não sabíamos estar cativando? Essa pergunta me fez perceber que meu coração tem um espaço, mas que a música que realmente o preenche ainda não tocou. Por isso, não consigo oferecer tudo, só algumas partes. Será que isso é suficiente, será que é justo?

Durante os meus 35 anos de vida até aqui; ou pelo menos boa parte deles; adotei uma tática simples: distância. Você não pode ser tocado por algo que está distante de você, pensava comigo mesmo. E isso se traduziu em indiferença emocional e desconexão. Não me importava o que acontecesse, não me deixava ser arrastado pelos sentimentos. Racionalizava o que podia e seguia em frente. “Dane-se essa frescura de sentimentos.” Nunca soube consolar alguém, nunca fui bom para lidar com pessoas chorando, nunca entendi direito quando me perguntavam: “O que você está sentindo?”, “Tô cansado.”, respondia. Eu sabia que a pergunta era sobre sentimentos, mas não queria entrar por aquela porta e, na verdade, não lembrava onde tinha deixado a chave que a abria.

Contudo, o tempo passa e a gente vai ficando farto de certas atitudes, de certas bobagens de outrora. Mais do que isso, a gente vai se tornando consciente do que nos dói na alma e que os outros são almas em corpos, assim como nós. Milagres sobre pernas desfilando inconscientes da sua própria potência. Então, como não sofrer com o sofrimento do nosso semelhante? Como não abrir um sorriso quando nos conta de um momento feliz? Como não falar “você é mais que isso” a alguém que você sabe que é extraordinário? E há algo ainda mais importante: o que você cativa ao fazer isso?

Quando você toca alguém e um sentimento cresce naquela pessoa, mas não em você, isso te torna um filho da puta? Porque não poder retribuir o mesmo que lhe está sendo oferecido causa um sentimento de rejeição, aquele gosto amargo de “eu achei que dessa vez fosse diferente”. Lá está o olhar triste e dessa vez não há nada que você possa fazer para tira-lo dali. A indiferença e a distância, de repente, parecem caminhos muito mais inteligentes.

Por um tempo, escolhi a distância entre tantas outras possibilidades porque, desde sempre, sinto as coisas muito profundamente. Às vezes, só de olhar para uma pessoa consigo dizer o que ela está sentindo. Você também? Mesmo que estejam tentando passar outra impressão, só preciso olhar e prestar atenção, pronto. É assim com gente de todo tipo, desde quando consigo me lembrar. Dá para sentir a raiva, o medo, o ódio, o amor, o desejo, a tristeza. Estão bem ali, mesmo quando elas tentam esconder, basta prestar atenção.

E lidar com isso é muito difícil. Porque é complicado não ser invadido por essas emoções. Só de ler um livro com discurso de ódio, por exemplo, seja ele contra homens, mulheres, tanto faz, sinto dor. Sim, confesso. Às vezes, fisicamente mesmo. Isso também te acontece? Então, veja, querido leitor, por bastante tempo, optei por não dar muito espaço ao meu sentir. Por razões práticas, é claro, já que no mundo de hoje só é possível não sofrer com o que se vê abraçando-se à indiferença ou à loucura. E, sobretudo, porque ninguém se importa com o que sentimos, o que conta é aquilo que pode ser verificado com números, fatos e todo esse blábláblá. Só que não mais.

Enquanto abracei essa indiferença, pensava de maneira objetiva sobre o valor das pessoas: “O que você tem que me interessa?” Era simples. Trocávamos: a pessoa recebia, eu recebia, e pronto. Se eu recebesse mais, melhor. Se ela recebesse mais, era do jogo. Mas, depois que eu conseguisse o que queria, aquela pessoa perdia sua função. Se expectativas fossem criadas, dane-se. E eu faria o que estivesse ao meu alcance para conseguir o que queria. Olhando para trás, eu era tão superficial que não conseguia querer algo realmente digno de nota. Aprendi tão pouco, fui tão babaca. E para que?

Agora é diferente. Não porque eu queira ser “certinho”. Mas porque eu não estou mais fingindo que eu não sinto. Porque agora eu me importo e eu me vejo eternamente responsável. Responsável pelo sorriso de quem está ali na minha frente, pelo que cativo nos outros e em mim mesmo. Pois, quando a gente age, cada pequeno gesto vai criando um acumulado de significados. É como um monte de coisas que nós criamos nos outros e em nós mesmos.

Um gesto gentil pode gerar gratidão ou indiferença nos outros. Mas em nós, sempre gera satisfação. Falar a verdade, por mais absurda que possa parecer, pode gerar no outro raiva, incredulidade, curiosidade. Mas em nós, sempre gera respeito próprio. E se somos mesmo eternamente responsáveis pelo que cativamos, é melhor oferecer o melhor que temos agora, mesmo que aquilo cause uma tristeza futura, ou o contrário seria a opção mais ética? Seria melhor que não houvesse esse “agora”?

O fato é que, embora eu entenda que há dois pólos responsáveis nessas histórias, tenho me perguntado e investigado. Investigo minha consciência para saber se estou agindo sinceramente, sem malícia, sem desejo de manipular. E me pergunto sobre a eternidade. Já que somos eternamente responsáveis e acredito nisso, quanto tempo isso dura? Acho que aquilo que fazemos na vida realmente ecoa pela eternidade. Tenho uma tatuagem que me lembra que não há chegada, só a partida e a evolução. Então, me imagino encontrando com cada uma dessas pessoas em algum lugar da eternidade. O que terei deixado como eco nelas? Como essas sementes que foram plantadas vão germinar? Esse encontro de nossas vidas fará delas seres humanos mais ou menos felizes? Qual a extensão da minha responsabilidade nisso?

É quase um paradoxo, como também o é alguém ter um coração vazio e cheio ao mesmo tempo. Assim como o meu que tem um espaço, mas que só pode ser preenchido de um certo jeito, por um certo alguém, quem sabe. E mesmo correndo o risco de parecer clichê, depois de tanto caminhar, aprender, ouvir e sentir, pela primeira vez, acredito que ele não esteja tão longe. Acho que eu só estava sendo preparado para merecê-lo, para ouvir a música e entendê-la. Para aceitar a simplicidade do que eu concebo como felicidade.

E a felicidade pelos meus olhos parece tão simples quanto uma casa espaçosa, com bastantes plantas, umas crianças barulhentas, uns cachorros e a minha música perfeita. Tão piegas, tão despretenciosa, tão particular. Como no filme do gladiador que se recusava a ser imperador, porque só queria cuidar da sua terra e da sua família, daquela porção exata de felicidade pela qual estava disposto a viver. E eu sei que ainda vou encontrar a música certa, aquela que só eu posso ouvir, pela qual vale a pena viver e ser eternamente responsável. Você já encontrou a sua? Por enquanto, eu continuo atento, escutando e aprendendo. Bom fim de semana!

 
 
 

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