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Sobre Falhar


Qual foi a última vez que você cometeu um erro? Agora mesmo, enquanto escrevo este texto, sei que vou cometer alguns. Talvez troque uma letra, talvez erre a pontuação, não sei. E é possível que eu nem os perceba. Afinal a língua portuguesa é caprichosa, assim como a vida. E hoje, parando para pensar, notei que a minha vida é uma sucessão de falhas. A sua também?

Veja, não percebi isso com amargura ou tristeza. Mas com uma sensação boa de que vivi. Tentei mesmo, dei o que tinha. Em tudo, entreguei o meu máximo. No esporte, no trabalho, nos amores. No regrets! Ainda assim, reconheci, não foi o melhor possível, apenas o MEU melhor possível. Mas isso é bom, pensei comigo mesmo. Entretanto, havia um sentimento me incomodando. Havia a pergunta "Se é bom, então porque a culpa?"

E realmente, lá estava uma pontada de culpa misturada com vergonha, sabe? Você também se sente assim de vez em quando? Bom, eu só consegui conceber duas respostas: (i) por causa do orgulho; (ii) porque outras pessoas sofreram. Talvez a resposta ii seja a mais difícil de encarar. Quando a gente tenta e falha, não faz mal. Mas se alguém é prejudicado, a coisa muda de figura. E admito, "caguei tudo" algumas vezes na vida.

Sei que a forma escatológica de ilustrar a ideia pode desagradar os leitores mais sensíveis. Mas é tão comum ouvir o termo numa conversa entre amigos, que decidi mantê-lo. Afinal, o que somos nós, eu e você, querido leitor, senão amigos? E como amigos, preciso te confessar, já "caguei tudo" muitas vezes. De vez em quando era só um e-mail errado. Mas às vezes acabava com choro e gente magoada.

Vou te contar porque, mas que fique entre nós. Nunca tive muita paciência para coitadinhos. Então, não fazia sentido para mim "ficar tristinho". Qualquer pessoa que me conhece já ouviu a frase "Eu não fico triste, fico puto!". E isso me cobrou preços muito altos, porque pensando em retrospectiva sempre que "caguei tudo" estava motivado por duas coisas: (i) raiva e/ou (ii) egoísmo.

Se queria justiça, ia lá tirar satisfação com o sujeito e pronto. A cabeça quente da época, não pensava direito, não avaliava o resultado. Era uma visão de túnel. As palavras iam saindo e, de repente, o que sobrava era um monte de escombros. Escombros de amizades, de amores, de relações, de dignidades. Não aprendi a abraçar a dor que eu sentia, porque era muito fria. Me abraçava à minha raiva, mas ela me queimava todas as vezes.

Havia apenas uma diferença: só eu sentiria frio se abraçasse a dor, mas se abraçasse a raiva, dificilmente seria apenas eu a sair chamuscado. Ainda assim, por agir irrefletidamente tantas vezes, "caguei tudo" mais frequentemente do que gostaria de admitir. Acho que é por isso, que carregava essa culpa. E, claro, também errei no polo oposto, aguentando calado coisas que não devia.

Mas percebi, para minha sorte, que a culpa é como uma mochila pesada. Não adianta mante-la nos ombros, porque ela não fará nada além de peso. O antídoto não está no passado, não adianta remoer o que já foi. É o presente que importa. Não errar igual da próxima vez, contar até 18 em vez de 10 (ou até 43 se você for rápido contando), colocar-se no lugar do outro, tentar sair do túnel e olhar em volta. Não ser conduzido pelo instinto, pelo impulso, mas conduzi-lo. Construir pontes ao invés de implodi-las. Queria compartilhar isso com você hoje.

Porque, meu amigo, eu e você, ainda vamos errar um bocado, graças a Deus! E a única coisa que nos resta é tentar melhorar a cada falha. Assim ficamos mais sábios, mais donos de nós mesmos, mais tolerantes com as "cagadas" dos outros e menos sofridos. Porque aí já podemos deixar a culpa de lado, nos desfazer da mochila pesada, sabendo que estamos mesmo buscando evoluir.

Claro que pedir desculpa não mata ninguém. E talvez seja também a confirmação que a nossa consciência precisa de que estamos tentando sinceramente. Isso não era uma coisa fácil para mim. Mas, se não vamos carregar culpa, por que arrastar o orgulho? E se vão aceitar o pedido ou não, tem importância relativa. A nossa parte é buscar, nos dispormos sinceramente.

Epíteto disse que "a extinção da culpa, marca o início do progresso moral" Então, não esconda a sua culpa, mate-a. Deixe apenas escombros quando encontrar com ela e seja implacável, meu amigo. Você consegue, se quiser. Eu sei, porque se eu consigo qualquer um consegue. Desejo hoje a você um pouco desse sentimento de liberdade. E que por onde você for, meu querido leitor, leve o seu melhor e cause o menor dano possível. Falhar é preciso, é precioso. Mas corrigir é progredir, é avançar. Sem culpa, sem orgulho, sem medo.


Boa segunda!


 
 
 

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Since 2021. por Rannison

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