Fantasmas
- rannison rodrigues
- 26 de abr. de 2023
- 4 min de leitura

Já faz muito tempo. Tanto, que cheguei a pensar em não escrever mais aqui. Os dias passaram sem que eu encontrasse algo verdadeiro para dizer. Agora entendo que estava vasculhando. Estou pronto, mais uma vez. Que seja verdadeiro, então! Que estes meus fios de letras tramem verdade diante dos seus olhos, depois de tanto tempo.
Há quem diga que vivemos a partir de algum tipo de dor. Segundo esse pensamento, a dor é inevitável e, na vida, nos cabe apenas o trabalho de lidar com a nossa. É claro que não me refiro àquela que nos incomoda o corpo. Essa, no mais das vezes, passa mais rápido do que a que nos inquieta o espírito.
Por muito tempo, perguntei a mim mesmo “O que é isso que te falta?”. Nessas conversas com o meu silêncio, escalei montanhas, vulcões, nadei no mar bravio, cobri milhas e mais milhas, viajei, dei entrevistas, fui “capa” de jornal, abri empresas, escrevi livros e outras tantas coisas. A cada letra, a cada metro, a pergunta estava lá. Mas eu ainda não sabia respondê-la.
Hoje acordei 01:00 da manhã, pontualmente. Tive um sonho. Quase como em Dickens, meus fantasmas vieram me visitar. Olharam nos meus olhos e responderam a pergunta: “Nada te falta. Pare de lutar com a sua dor”. Não fazia sentido para mim. Não lutar? Como assim? “Mas que dor é essa?” perguntei. “A de não ser querido.”
Como num filme, uma rápida sucessão imagens foi passando diante de mim, num movimento perfeito para que eu absorvesse cada uma. Era eu ali, mas agora via coisas que nunca tinha visto. Com um nó na garganta, voltei aos meus fantasmas: “Mas o que eu faço agora?”. “Conte aos outros. Escreva, rapaz! Escreva.” disseram eles. E eu, acordei e vim.
Confesso que, depois que comecei, pensei um pouco: “Quando lerem isso vão achar que eu fiquei doido?”, “Melhor tirar essa parte…”, “Será que vou me envergonhar disso depois?”. Mas isso ainda era lutar com a dor. E, como me mostraram os fantasmas, é hora de parar. Por isso, o que se segue é a forma mais autêntica que consegui dar ao que preciso contar.
Não nos conhecemos e talvez não nos conheçamos nunca. Mas, eu sei, você também tem uma dor. Uma que não conta para ninguém ou que finge nem existir. O fato é que, de tanto fingir, a gente acaba acreditando no fingimento, e esquece. Fiz isso. E, por mais que pareça bom, é só placebo. Uma anestesia que você se dá.
Meu fingimento, minha anestesia: ser o melhor. Acreditava que assim, ia ser querido. Dizer a coisa certa, fazer a coisa certa, ser bem sucedido, etc. Funcionou até a página 2. Porque na 3, eu já sabia o que vinha: dissabor. Aquilo não era eu. Como ser feliz quando o que você realmente é não é “bom o suficiente?”. Passei anos assim, mas não via.
Nasci numa família que não tinha lugar para mim. E não me entenda mal, eles fizeram o que puderam. Mas, eu sempre soube, não fui planejado e nem desejado. Sou grato por terem dado o melhor que tinham para me criar. Minha mãe me teve com 19 anos, meu pai tinha 23. Eram jovens, e já haviam seus próprios conflitos para resolver, quando eu cheguei.
Até o meu nascimento foi complicado. Quase morremos eu e minha mãe. Na escola, meu nome estranho (que hoje sei que tem um lindo significado) e a minha “nerdisse”, me renderam gozações e problemas. Naquela época, eu não sabia que tinha altas habilidades (superdotação) e não entendia que aquilo incomodava meus coleguinhas e professores. Mas descobri rápido.
Os professores pediam para eu abaixar minha cabeça e olhar para a carteira depois de terminar os exercícios. Depois de um tempo, começaram a me dispensar antes da hora. E aquilo, soube depois, revoltava os outros alunos. Numa manhã, fui empurrado numa poça de lama e voltei pra casa arrasado, sujo e triste pela maldade gratuita. Eu tinha 7 anos.
Como descobri depois, o autor foi um dos coleguinhas da minha sala. Motivada por aquela situação, uma professora chamou minha mãe à escola. “Seu filho é muito inteligente. Vamos testá-lo porque assim ele pode estudar com crianças do mesmo nível de desenvolvimento.” Fiz o teste. A recomendação: 4a série. Eu estava na 1a série. Aquilo era estranho.
Chegando em casa, minha mãe disse: “Você vai é para a 2a série. Aqui em casa não tem esse negócio de menino gênio, não.” E aquilo deixava claro para mim que eu incomodava: os coleguinhas, os professores e até a minha mãe. Ninguém me queria daquele jeito, do meu jeito. Tinha algo de muito errado comigo.
Esse é só um exemplo da dor de “não ser querido”. Há ainda muitos outros que eu poderia dar. Aliás, vasculhe aí. Quais as suas dores? Em que momentos você as flagrou? Como lutou com elas? Meus fantasmas me mostraram que eu sempre tive a resposta da minha pergunta. Ela estava atrás da cortina do medo que eu sentia de não ser querido.
“O que é isso que te falta?” eu perguntava. “Nada te falta. Pare de lutar com a sua dor” disseram eles. Agora entendo. Tudo está aqui. Nada falta, a não ser que eu falte para comigo mesmo. Me aceitar estranho, incômodo e irritante, é parar de lutar. Pois, lutar com a dor é abraçar o medo constante de ser atingido por ela. É dar tudo de si ao erro de não ser quem é.
Se você, como eu, também se sente ou já se sentiu assim, saiba agora, meu querido desconhecido: eu gosto de quem você é. Pelo simples fato de ser de verdade. Você consegue gostar também? E se você acha que isso é só um jeito superficial de “ser legal”, não importa. Eu sei que é verdade, e gosto porque agora consigo gostar de mim, assim, do meu jeito.
A vida meu deu as letras para curar feridas. As minhas, às vezes. Às vezes, as de outras pessoas. Não sei bem porque, só tento fazer o melhor que posso. Entretanto, há algo que sei e preciso contar: não importa qual a sua dor, nada dói mais do que não honrar quem se é. A despeito do que a vida trouxer, não lute com a dor. Lute pelo que você é. Isso basta. Isso é tudo.
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