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Hired - Capítulo 2 : O que é um processo seletivo?

Atualizado: 22 de jun. de 2021


Muitas pessoas diriam que um processo seletivo é "o meio pelo qual as organizações selecionam os seus colaboradores." Bom, isso faria todo sentido. Mas essa resposta está incompleta, você não acha? Isso porque, a Amazon não pergunta a expectativa salarial de ninguém e o Google não te oferece um café. É um ser humano do outro lado te fazendo essas perguntas.

Então, lembre-se disso, processos seletivos = pessoas escolhendo pessoas. Mas, você poderia argumentar, em alguns casos é necessário fazer testes de habilidades específicas, testes comportamentais, e que, são essas etapas do processo seletivo que realmente importam, pois eliminam boa parte dos candidatos. É, mas te diria que essa ainda é uma verdade imperfeita. Afinal, alguém decidiu que aqueles testes eram necessários e, certamente, também haverá uma pessoa interpretando-os e tomando decisões.

Prepare-se para os testes, mas não perca de vista o que, de fato, é um processo seletivo: pessoas escolhendo pessoas. Já vi muita gente muito boa se perder justamente por esquecer disso. Para te explicar o que quero dizer, acho que é mais fácil contar uma história real. Ela exemplifica bem o tipo de erro que se comete quando esquecemos que estamos falando de pessoas.

Alguns anos atrás, fui o responsável pelo processo de seleção de um COO para uma fintech. A empresa preferia que uma mulher ocupasse o cargo e, após alguns dias de buscas, conheci a Marta. Vou chamá-la assim. Extremamente inteligente, simpática, inquisitiva, tinha uma experiência profissional sólida, motivações coerentes e ajuste cultural à empresa. Os demais aspectos, como non-compete, pacote de remuneração, também encaixavam e, muito contente, a apresentei ao CEO da empresa.

Conversaram por quase 2 horas. Fato inédito para mim até ali. Ele, que era uma pessoa rápida, dificilmente passava mais do que 1 hora em entrevistas. Parecia ótimo. E era mesmo. A conversa foi excelente. Veio me agradecer e pediu para organizar as próximas etapas o mais rápido possível. Marta foi bem em todas elas, encantou também os pares e o time de RH. Desbancou todos os outros candidatos. Era uma unanimidade. Deveríamos contratá-la o quanto antes, disseram. O CEO me mandou uma mensagem perguntando se já poderíamos deixar uma carta-oferta pronta para ela. A ideia era convidá-la a fazer parte da diretoria da empresa logo após a sua entrevista com o time que ficaria sob sua gestão.

A carta-oferta estava pronta. Marta estava animada, a equipe também. Parecia que tínhamos encontrado a nova COO da empresa. Note-se que, até ali, de todos os pontos possíveis, Marta não havia perdido nenhum. Tinha um score perfeito e o desfecho parecia óbvio. Mas, depois de 45 minutos de entrevista com a equipe que reportaria para si, a opção foi de não seguir com ela.

Incrédulo, perguntei aos entrevistadores o que tinha acontecido. Como poderia haver uma diferença tão grande de percepção? Marta teria xingado algum deles? Não fazia sentido. Então, ouvi uma coisa que dificilmente vou esquecer: "Ela não nos inspirou." Mais algumas perguntas e entendi que Marta não cuidou do simples, não falou a língua deles, não ouviu o que estavam falando, não conseguiu passar confiança de que seria a pessoa certa para desenvolvê-los e, por isso, foi reprovada.

Repare bem, muita gente pode te dizer que você precisa ser perfeito, dar as respostas certas, não mostrar fraquezas, não admitir erros e todo esse blábláblá. Marta fez tudo isso, não foi suficiente. Então, o que você precisa entender é que nós estamos falando de seres humanos o tempo todo. Marta tinha o currículo, tinha a aprovação, tinha a motivação certa e ninguém duvidava de sua capacidade. O que faltou foi esse entendimento: no final do dia, o que importa são as pessoas. Não os cargos, não a etapa do processo seletivo, não os feedbacks que recebeu até ali. É sobre pessoas (o tempo todo)!

E pessoas operam há milhares de anos tomando decisões com base em comparações. Sempre comparamos as coisas com aquilo que nos é mais familiar. Por isso é tão difícil lidar com o que é singular. Singularidades chegam a ser incômodas para nós. Tudo aquilo que é muito diferente do que conhecemos ou do que esperamos, via de regra, nos causa medo e frustração. É claro que uma parcela das pessoas ficará curiosa e instigada. Mas, a grande maioria delas ficará confusa e com medo.

Por isso, tendemos a nos relacionar com pessoas que tenham interesses comuns aos nossos e com quem consigamos nos identificar. Pessoas que estudaram na mesma faculdade, ou trabalharam na mesma empresa, por exemplo, podem estabelecer essa conexão, mais facilmente, uma em relação à outra. Quando isso acontece, um passa a acreditar que entende o outro. É como se, de repente, um pudesse ver um pouco de si mesmo no outro, mesmo que ambos tenham acabado de se conhecer.

Chamo isso de ponte. Porque, no momento em que alguém consegue estabelecer essa conexão com outra pessoa, é como se duas ilhas estabelecessem uma ligação entre si, como se uma ponte fosse construída. O acesso fica aberto, há possibilidade de interação real. E a beleza sobre seres humanos é que essas pontes podem ser construídas de maneiras muito simples.

Se, processos seletivos = pessoas escolhendo pessoas, então, construir pontes é a melhor forma de lidar com eles. E, a partir daí, se concentrar em como fazer isso acontecer. Seu currículo, suas palavras, seus gestos, sua roupa, seu cabelo, sua barba, tudo isso pode ajudar ou atrapalhar na construção das pontes. Por isso, sempre haverá o fator sorte envolvido em boa parte dos processos seletivos.

Talvez você ache estranho que uma pessoa que se propôs a te ensinar como se sair bem em processos seletivos, fale que é preciso considerar o fator sorte para isso. Você pode aumentar as suas chances se preparando, porém, parte do desfecho não estará nas suas mãos. E, das duas uma: ou (i) eu omitiria isso e não te ensinaria sinceramente o que preciso; ou (ii) eu te ensinaria com honestidade e te diria o óbvio. "Óbvio, como assim?".

Você pode realmente acreditar que tem controle sobre sua vida. Mas, a verdade é que a maioria de nós só tem controle sobre as próprias escolhas. Tudo o mais deriva delas e da sorte. E como não temos sequer controle completo sobre o que acontece nas nossas vidas, também não temos controle sobre o que acontece nas mentes e corações das pessoas com quem nos relacionamos. É preciso considerar a sorte para lidar com algumas situações, especialmente processos seletivos. Por isso, afirmo que, via de regra, quando pessoas escolhem outras pessoas para trabalhar juntas, se baseando em comparação, tentando estabelecer pontes entre si e com a influência da sorte para isso, podemos chamar o jogo de processo seletivo. Mas, afinal, o que se ganha ou se perde nesse tipo de jogo? (Continua amanhã)


 
 
 

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