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Hired - Capítulo 27: Negociação Efetiva


Começando pelo começo, só é possível negociar quando duas ou mais partes têm interesse que alguma coisa aconteça e estão dispostas a pensar em uma forma viável de fazê-lo. Normalmente isso acontece quando os envolvidos têm condições de força similares. Entenda força como a capacidade de ação em relação a algo.

Por exemplo, eu posso querer assistir um filme na televisão ao mesmo tempo em que você quer assistir outra programação, um jogo, por exemplo. Eu poderia simplesmente, trocar o canal, mas isso iria contra o seu interesse. Caso você insistisse em assistir ao jogo eu poderia ficar frustrado e isso não atenderia minhas expectativas. Porém, se conseguíssemos encontrar um caminho mutuamente satisfatório, ganharíamos mais.

Numa situação dessa, quando só se tem uma TV em casa, por exemplo, se temos capacidades similares, negociamos, se temos um desnível de capacidades, talvez o mais fraco simplesmente tenha que aceitar o interesse do mais forte. Mas, ainda assim, é possível negociar em desnível de capacidades. Para isso, é claro, o fator mais importante é o interesse. Por isso, o que quero trazer a você são formas de gerar interesse em uma negociação. Nem sempre você vai estar em igualdade de forças com um potencial contratante.

Imagine que, se de um lado há alguém interessado em um emprego, há do outro lado algum emprego muito interessado em encontrar alguém. Se isso não estava claro para você antes, que fique agora. Sua vaga quer você, logo, via de regra, há interesse mútuo em encontrar um caminho que seja realmente interessante para ambas as partes. Principalmente porque esse acordo firmado durará durante um longo tempo, ou assim se espera.

Há algumas situações que atrapalham o interesse em negociar. Vou citar as que considero mais importantes, mas há ainda outras que podem jogar muito contra você. As principais repulsoras de negociação são: intransigência, desconfiança e ganância. Normalmente, os problemas em uma negociação estão ligados ao egoísmo. Aquele tipo de pensamento que só admite que as coisas sejam interessantes para você, deixando os interesses do outro de lado. Vamos falar brevemente sobre esses três principais repulsores:


Intransigência

Perceba o seu corpo, ele é totalmente rígido ou tem partes flexíveis? Partindo do princípio que você está bem de saúde, certamente, há partes flexíveis em você. Então, porque suas opiniões e pensamentos seriam tão rígidos? Quando estiver negociando, ouça a outra parte tentando entender o que ela está vendo, ou seja, como ela entende aquilo que está te oferecendo. Pode ser que, de fato, seja o melhor que ela pode oferecer. Não significa que você tenha que aceitar, mas é importante olhar a situação de uma maneira mais ampla. Seja como for, isso vai te exigir flexibilidade para ver a coisa de outro ângulo.

Já passei por uma situação extremamente frustrante, onde ao concluir um processo de CFO, houve um enorme desgaste na negociação da proposta em função de um detalhe específico: o pagamento da mudança do profissional contratado. A empresa não podia pagar a mudança porque não estava em sua política de recursos humanos e abrir o precedente seria muito delicado para eles, o candidato selecionado exigia que fosse pago. Mas, note que, ele não estava vendo a figura ampla.

Mesmo sendo um profissional já bastante experimentado, essa inflexibilidade o impedia de ver que, de forma geral, ele estava recebendo mais do que esperava. Apenas a mudança não estava no pacote proposto, em função da política da empresa. Sabendo que aquilo poderia ser um entrave, eu pedi que o contratante flexibilizasse outras coisas como hiring bonus (que é um valor que se paga ao profissional no momento em que é contratado), data de início, salário fixo e subsídio para um curso no exterior que o candidato tinha mencionado ao longo das conversas.

Liguei para o candidato com as boas novas, animado por ter uma proposta realmente boa em mãos. A empresa havia sido muito generosa e estava realmente interessada em fazer a negociação funcionar. Nada de letras miúdas, nada de condicionantes, uma proposta realmente franca e generosa. Acreditava que o candidato ao ouvir os termos, concordaria com isso imediatamente porque a proposta superava até mesmo o que ele havia apontado como ideal para uma movimentação profissional.

Fiquei impressionado quando, antes mesmo de eu começar a explicar os termos da proposta, ouvi a pergunta: "o moving allowance (custeio para mudança de cidade ou país) foi confirmado?". Tentei novamente explicar a proposta e fui interrompido pela pergunta mais uma vez. Expliquei que os termos eram bastante superiores ao que tínhamos conversado anteriormente e que gostaria de explicá-los, se possível. Acredite se quiser, a pessoa do outro lado da linha desligou o telefone dizendo que, quando tivéssemos o "OK no moving" faria sentido continuarmos, até lá, não.

Você consegue imaginar a frustração de alguém ao ouvir uma estupidez dessas? Eu queria muito xingar aquele cara pra ver se o enorme ego dele se situava. Mas, claro, aquilo não seria nada inteligente. Ao invés disso, deixei passar o dia e, no final da tarde, menos irritado, enviei uma mensagem: "Consegui" e mandei os termos em tópicos por texto. Minutos depois, recebi uma ligação. "Excelente, Rannison! Superou bastante as minhas expectativas. Podemos seguir. Mas vi, que não está com o moving." Aí eu fiquei puto!

"Lá eles chamam moving de Hiring Bonus. Vou te enviar a proposta formal por e-mail e preciso do seu OK nas próximas horas, ou avançaremos com outros candidatos. Eles ficaram bastante desgastados com toda essa história de moving. Aguardo seu retorno para dar parabéns ou agradecer pela participação." O valor que estavam oferecendo ao candidato como hiring bonus daria para ele pagar umas dez mudanças mais ou menos. Uma hora depois, recebemos o aceite formal do candidato.

Veja bem, eu estava como mediador dos dois lados, então, consegui ajudar a filtrar as perspectivas de uma forma imparcial. Mas, imagine se a conversa tivesse sido no mesmo tom diretamente. Conhecendo as duas partes, dificilmente a coisa teria avançado. A empresa não tinha flexibilidade para aprovar uma política ad hoc e o candidato não conseguia parar de pensar em moving. Note-se que, ele trabalha lá até hoje e já foi promovido 2 vezes. Claramente, essa firmeza inflexível dele encaixava com a da empresa, a contratação fazia todo sentido. Porém, quando se trata de negociação, inflexibilidade pode tirar de você oportunidades realmente boas e até melhores do que você originalmente queria.

Se o protagonista dessa história estiver lendo esse livro, saberá que até o "OK" levamos quase vinte dias para entender o que fazia sentido e o que era possível. E se você está se perguntando se isso é comum, saiba que não, não é. O contratante realmente repensou a decisão de contratação e teríamos que recomeçar todo o processo seletivo. Intransigência não permite negociação, rigidez pode te tirar coisas que seriam até melhores do que você esperava, olhe a figura ampla.


Desconfiança

Você negociaria alguma coisa com alguém em quem não confia? Talvez a resposta seja sim, caso você não tenha escolha, mas estamos falando aqui de processos seletivos, logo há escolha. Então, me responda, você negociaria? A maioria das pessoas opta por não negociar. Algumas em situação de extrema necessidade se colocam na situação de assumir o risco, mas, via de regra, pelo menos um dos negociantes decide para de negociar.

Um exemplo bem simples e comum é quando um profissional participa de um processo seletivo, vai até o fim, chega à etapa de proposta e, assim, magicamente, aumenta significativamente sua expectativa de remuneração para movimentação. Os motivos possíveis para essa alteração repentina são diversos: "eu não tinha calculado com atenção antes", "eu pensei melhor", "meu chefe me disse que posso ser promovido em breve, então quero já receber o que receberia depois de promovido" entre outras.

Note, a empresa pode até oferecer uma proposta diferente para essas pessoas, mas, pelo que vivi até aqui, essa coisa de mudar a expectativa no último minuto gera uma enorme desconfiança. O mesmo acontece do outro lado. Imagine que uma empresa seguiu em um processo seletivo com um candidato, sabendo de sua expectativa salarial, para só ao final fazer uma proposta inferior. Os motivos para isso também são diversos, mas o que importa fixar aqui é essa quebra.

A impressão é a de que "nós estávamos nos entendendo" e aí, de repente, isso. Há um desafio à confiança aqui, você percebe? Será que você vai fazer isso novamente? Será que se eu te oferecer o que você quer você vai me aparecer com outra expectativa ainda maior? Se você teve todo esse tempo para me dizer isso, porque só agora?

Quebras de confiança, normalmente estão relacionadas a despreparação, hesitação e o nosso próximo tópico: ganância. Note que, querer receber mais não é errado, lógico. Mas, a forma de buscar isso numa negociação é muito importante. Ao longo de toda negociação, deixe claro que aquilo que você está apontando como expectativa vai estar condicionado à situação concreta de uma eventual proposta.

Imagine, por exemplo, que você tinha uma expectativa X, mas que ao longo das conversas alguma situação concreta mudou. Pode ser que você precise mais do que nunca de um plano de saúde, por exemplo, ou que tenha descoberto que vai ser pai. Como isso afeta suas expectativas? Pode ser que não mude em nada, pode ser que mude tudo. Então, seja transparente e confiante, a vida não é estática. Mas evite quebras de confiança por falta de alinhamento de expectativas, isso imobiliza qualquer negociação.


Ganância

E chegamos ao nosso repulsor mais comum. Quando falo de ganância, não estou falando do desejo de receber coisas. Todos temos esse desejo de forma inata, queremos receber diversas coisas, amor, atenção, comida, etc. Por ganância entenda aqui a vontade de receber apenas para si mesmo, sem considerar os interesses e as capacidades da outra parte.

Se você quer exemplos de ganância olhe para qualquer lugar, nosso mundo está cheio deles hoje em dia. Na verdade, fazemos odes à ganância com bastante frequência: nos clipes de música, nos comerciais. Ostentar riqueza virou moda na nossa época. Mas, se isso ainda não te convence, pense no mundo em que vivemos de forma um pouco mais abrangente. Nós consumimos cada vez, mais utilizamos cada vez mais recursos, mas não conseguimos repor da mesma forma. O que acontece numa situação assim? Desequilíbrio, certo?

Todos nós temos um senso inato de que as coisas têm um equilíbrio. Num experimento feito com crianças, uma dela tinha todos os biscoitos e a outra nenhuma. A que tinha todos os biscoitos podia escolher como dividi-los, mas a que não tinha nenhum decidiria se aceitava a negociação ou não. Se não aceitasse, ambos ficariam sem nada. Você se surpreenderia em saber que as crianças que se sentiram injustiçadas com a divisão simplesmente a rejeitavam, mesmo sabendo que aquilo implicaria em ter nada ao invés de alguma coisa?

Isso não é muito inteligente, certo? Se a criança recebesse qualquer coisa diferente de zero biscoitos já estaria em vantagem. Aliás, se não recebesse nenhum biscoito, não seria prejudicada, afinal não tinha nada no início. Mas, então, porque será que elas optavam por punir os seus coleguinhas que consideravam injustos? Justamente por esse senso de equilíbrio que não é necessariamente racional. Ao perceber essa "injustiça", elas preferiram rejeitar do que aceitar menos do que o equilíbrio.

É claro, há muitas outras maneiras de interpretar esse exemplo e diversos motivos para os variados comportamentos observados. Mas, utilizo esse exemplo para explicar o que, empiricamente, observei ao longo da vida. Ninguém gosta de se sentir prejudicado, injustiçado, passado para trás. E pessoas que se sentem dessa forma podem ser muito determinadas em resistir.

A ganância ativa todos esses sentimentos, às vezes, ao mesmo tempo. Se você quer todos os biscoitos, ou seja, tudo do seu jeito e só para você, sem jamais fazer concessões e sempre pedindo mais, às vezes até ignorando minhas capacidades e meus interesses, como posso confiar em você? A ganância gera, portanto, esse entendimento de que algo está desbalanceado, e ninguém se sente seguro numa corda bamba, concorda?

Como você deve ter percebido, os três tópicos que chamamos de repulsores, se baseiam na mesma coisa: egoísmo. Negociações são profundamente prejudicadas quando tratadas apenas de um lugar de egoísmo, de desconsideração pela posição do outro. Esses três fatores são os mais comuns em processos seletivos porque, via de regra, essas negociações envolvem dinheiro. E quando é esse o tema, muita gente, "perde a mão" na hora de conseguir o que quer.

Então, sumarizando o que falamos até aqui, saiba o que você quer, até onde pode ir e o que realmente importa. Nem toda negociação merece atenção e não há problema em optar por não seguir. Mas, quando estiver negociando, evite o egoísmo que é o pai dos repulsores: ganância, desconfiança e intransigência. Isso dito, já fica bem mais fácil se colocar de uma forma mais consciente numa negociação. Aqui falamos sobre o básico para começar a negociar e os fatores de repulsão. Vamos falar agora do que ajuda, do que fazer para alcançar resultados positivos na maior parte das suas negociações.


 
 
 

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Since 2021. por Rannison

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