top of page

Hired - Capítulo 9 (Parte 2): O Método CANN (Como Surgiu?)


Demorou bastante. E só 18 meses depois de ter sido desligada, Cris conseguiu o que buscava. Mas, porque eu estou te contando isso? Porque o primeiro brotinho do método CANN começou a germinar com o caso da Cris. Depois de 4 processos comigo sem ter sucesso, os feedback começaram a se repetir. Cris não era objetiva nas respostas, divagava muito e não conseguia passar credibilidade nas entrevistas. Isso é realmente problemático quando estamos falando de uma posição de CFO.

Na última dessas 4 situações, ela se saiu com uma resposta que eu jamais esperaria que ela desse: Quando perguntada sobre sua expectativa salarial, ela replicou com "Se você me pagar 5 mil reais, está ótimo. Eu quero trabalhar e agregar valor. Só preciso de uma oportunidade." Acho que só "Trabalho por comida" poderia soar mais desesperado do que isso. Bem, o contratante, pelo visto, também não se convenceu.

Então, depois de algumas tentativas sem sucesso, uma noite, por volta das 20 horas, ela me ligou. Eu que, na época, não parava de trabalhar antes das 22:00, atendi e comecei a bater papo com ela. Estava desanimada e ligou me pedindo ajuda. Já tinha participado de vários processos seletivos e nada andava. Não entendia o que estava acontecendo com o mercado, lamuriou-se. Ela falava 4 idiomas fluentemente, tinha duas pós-graduações e estava flexível com a expectativa salarial, não fazia sentido.

Cris tinha recebido, no pacote de demissão da empresa, a assessoria de uma consultoria especializada de recolocação de executivos. Eu conhecia a empresa e respeitava bastante o trabalho que fazia. Ela também reclamou disso e pediu minha opinião. "O que eu devo fazer, Rannison? O que você faria?" Pensei com calma em um jeito de dizer mais uma vez o que já tinha dito a ela, e emendei: "Eu, no seu lugar, pararia de reclamar e trataria de virar uma profissional em entrevistas. Seu currículo é bom, mas quando você começa a falar, tem gente que sente vontade de correr."

Ok, aquilo foi um pouco mais troglodita do que eu planejava, mas quando vi, as palavras já tinham ido. Até hoje, acho que não fui realmente eu que falei aquilo, mas alguma coisa que me inspirou a falar daquele jeito, com aquelas palavras. Ela fez uma pausa por alguns segundos do outro lado da linha e eu já comecei a imaginar o que viria depois daquele "silêncio que precede o esporro". Mas, veio uma gargalhada!

E logo depois ela começou a se desculpar por me ligar naquele horário para ficar "chorando as pitangas", mas intimamente, não estava incomodado com a Cris. Atendi o telefone porque realmente me importava e gostava dela. Já em tom de despedida foi me pedindo para que, caso surgisse alguma nova oportunidade, lembrasse do nome dela e que ela se tornaria uma especialista em entrevistas a partir dali. Perguntou sobre livros ou cursos que pudesse utilizar para aprender e melhorar.

Eu disse que não lembrava de nenhum, mas que tinha uma proposta para ela. Em breve, eu teria uma oportunidade para uma posição de Head de Finanças de uma empresa de serviços. A demanda já tinha sido confirmada e o alinhamento do perfil da vaga e do escopo do projeto aconteceria dali a 5 dias. Disse a ela que a indicaria para a posição se ela concordasse em seguir minhas instruções de preparação. Ela aceitou imediatamente. Disse que ia trabalhar em algumas recomendações e que enviaria em breve um e-mail para ela com as informações.

Senti que ela tinha ficado feliz. E...eu também, e muito. Quando desliguei o telefone, me senti um pouco mal. Como conseguiria realmente ajudá-la? Com uma rotina de trabalho puxada e me preparando para um Ironman, a agenda ficava lotada e eu ainda tinha que cuidar de outras coisas pessoais, blablabla. Minha mente começou a me bombardear com bons argumentos para não cumprir minha promessa. O diabo é que eu já tinha prometido e não dava para voltar atrás. Cris, aliás, estava contando comigo.

Decidi parar de dar desculpas, puxei uma caneta e um papel, ali na hora. E comecei a pensar no que a Cris estava fazendo de errado, como poderia ajustar aquilo e o que poderia utilizar a seu favor para demonstrar bem suas capacidades. Cheguei a uns 16 ou 17 bullets e fui criando categorias. No final restaram 5 categorias que, posteriormente, diminuíram para 4. "Ok, vamos com isso." pensei. Escrevi o e-mail e enviei para Cris. Coloquei "Plano de Ação" no assunto do e-mail. E fui para casa. Ainda precisava correr alguns quilômetros antes de dormir.

No outro dia, recebi uma mensagem da Cris. "Obrigada. Vou começar a aplicar agora mesmo.". A noite, assim sem mais nem menos, me veio a ideia de ligar para ela e ver como estava progredindo. Fiz isso. Ela disse que tinha avançado muito. Era fácil aprender do jeito que eu tinha explicado, disse, podia ficar tranquilo. Mas, headhunter é uma praga. "Que ótimo, Cris. Vamos testar, então.". Fiz uma pergunta, apenas uma. E entendi que ela estava sendo otimista demais. Não tinha feito diferença nenhuma, talvez tivesse até confundido ela.

Pensei por alguns minutos e lancei o convite. "Cris, todos os dias daqui até sexta-feira, eu e você vamos falar das 20 as 21. Pode ser? Ainda não está bom.". Ela não hesitou: "Combinado!". Sabe essas coisas que depois de fazer você se arrepende? Pois é. Na hora eu me arrependi, mas alguns meses depois, eu ficaria muito feliz por ter tomado essa atitude. Os encontros funcionaram, os feedbacks foram melhorando consistentemente. Cris estava avançando mais nos processos seletivos, estava mais confiante, mais tranquila e acabou recebendo uma proposta de emprego. Uma bela proposta, aliás. Isso aconteceu em 2017 e ela trabalha na empresa até hoje (2021). E gosta muito do que faz.

Quando recebeu o e-mail com a proposta, me ligou contando a novidade. Estava feliz e comentou que, sem os encontros, achava que teria demorado muito mais. Fiquei realmente recompensado com aquela notícia. Tive um sentimento genuíno de felicidade em ouvir aquilo. Não havia ego, não havia "fui eu quem fez isso", só havia algo bom dentro de mim, sabendo que eu tinha feito a coisa certa.

Antes de desligarmos, ela emendou uma pergunta: "Ranni, posso compartilhar esse seu método com uma amiga minha? Ela acabou de ser desligada e acho que vai ajudar." De repente, percebi outra coisa. Aquilo não era meu, era dela agora e, claro, poderia compartilhar com quem quisesse. Então respondi "Cris, não é método e nem é meu, é nosso. Compartilhe com quem quiser, você sabe até melhor do que eu como funciona." Ela fez isso. E não é que funcionou? Eu só saberia disso tempos depois.

Lembra daquela moça que tinha sido entrevistada por mim com um currículo mal feito, para não dizer falso? Então, a vida tem desses acasos. O recrutador que sentava ao meu lado ligou para ela, mas não sem antes fazer o comentário: "Porra, perfilzão. Curti.". Na hora, é claro, eu não sabia que era ela. Mas, ao conversar com meu colega, a candidata informou que já tinha sido entrevistada pelo "Ramilson" em 2013 e, portanto, cinco anos antes.

Ele, é claro, a convidou para uma entrevista. Ela aceitou, mas explicou que o currículo que tínhamos lá estava muito desatualizado e que enviaria outro. Era verdade, mas "desatualizado" foi um jeito genial de dizer: "Apaguem isso, por favor. Vou enviar meu CV de verdade.". No outro dia, lá estava ela. Vou chamá-la de Andreia. Meu colega não conseguiu ver o currículo com calma antes da entrevista e o imprimiu (pois é, a gente ainda imprimia). Apressado, entrou na sala de entrevistas, cumprimentou-a e, quando olhou o currículo, nas palavras dele, "brochou completamente."

A entrevista, é claro, já começou com o pé esquerdo. Mas ainda assim, segundo ele, não dava para acreditar. O currículo até que era bom, mas a entrevista tinha sido muito difícil, truncada. Ele me perguntou se tinha sido assim comigo também. "Quem era?", perguntei. Ele me passou o CV impresso com algumas anotações. Lembrei dela, estranhamente, pelo endereço, um bairro de Niterói-RJ de nome peculiar. Quando a entrevistei, em 2013, ela tinha sido demitida de uma empresa que ficava na mesma cidade.

"Ah, lembrei!" falei, sem muita animação. A primeira coisa que me veio à mente foi ela saindo de lá meio envergonhada, quase chorando e pedindo desculpas. Tinha passado por algumas empresas por pouco tempo, até abrir a sua própria empresa e se dedicar integralmente a ela. Ainda assim, continuava buscando uma oportunidade de voltar a trabalhar em uma multinacional, como em 2013.

"E aí? Foi ruim assim quando você entrevistou ela?" perguntou meu colega entre contrariado e curioso. "Foi uma entrevista estranha." admiti. E perguntei se ele a indicaria ao cliente para a posição. "Não dá. Até queria, ia fechar o shortlist, mas não dá." confessou decepcionado. Ele teria que ficar mais algumas horas naquele dia procurando alguém para colocar no lugar de Andreia. E como eu também precisava terminar algumas coisas, sentei ao lado dele e fui fazendo o que tinha que fazer. Mas, mais uma vez, aquele "negócio" começou a incomodar.

Até hoje, não sei exatamente porque fiz aquela pergunta, mas o que importa é que fiz, e isso mudou tudo. "Ela está participando de algum outro processo seletivo?". Meu colega respondeu olhando para a tela do computador: "Nada. Disse que de uns 3 anos para cá, não está conseguindo nada. Sempre sendo reprovada nos processos seletivos. O mercado tá ruim. Ela falou que tem problema para fazer currículo e perguntei porque ela não colocava mais inglês fluente, porque eu convidei ela para entrevista por isso. Você sabe, fiscal com inglês tem seu valor." Confessou meu colega.

Entendi ele, anos atrás eu tinha pensado da mesma maneira e a tinha convidado pelo mesmo motivo. Não respondi nada, mas, intimamente, me sentia mal por ela não ter conseguido se recolocar no mercado. Não sei porque me senti daquele jeito, para falar a verdade. Preferi não comentar nada sobre a entrevista que havia acontecido 5 anos antes, mas meu colega, assim, sem nenhum motivo aparente, comentou "Ranni, ela falou benzão de você. Disse que você foi muito gentil com ela quando esteve aqui e que só voltou porque sentiu confiança. Disse que não voltaria se fosse outra consultoria, mas que voltou aqui por causa da entrevista de vocês."

"Vocês conseguiram falar disso? Como?", perguntei. "Ah, ela não parava de te chamar de Ramilson, aí eu perguntei como tinha sido a conversa e se ela tinha participado de algum processo contigo." Nessa consultoria onde trabalhei, quem entrevistasse um candidato e mantivesse contato com ele ao longo do tempo, tornava-se "representante" dele em processos seletivos, por isso, toda vez que convidávamos algum candidato para entrevista, perguntávamos se já tinham sido entrevistados por alguém.

Ri do jeito que meu colega falou sobre como Andreia errou meu nome. Mas, o fato de ela ter se sentido daquela forma, mexeu com aquele "negócio" dentro de mim mais uma vez. Meu colega continuou, espontaneamente, sem ser instigado a nada "cara, a entrevista com ela foi muito travada, sabe?" e começou a explicar os motivos. Enumerou algumas coisas que o incomodaram e outras que faltaram para Andreia se sair bem. Consegui imaginar algumas outras e, quando percebi, estava enviando mensagem para a Cris.

Perguntei a ela sobre a amiga. Ela tinha compartilhado o "método"? Tinha ajudado? Já era um pouco tarde, por volta das 22, acho. E recebi a resposta de Cris no outro dia de manhã. "Se recolocou, sim. Foi super rápido, 2 meses depois de ser demitida." Bem, Cris tinha respondido parte das minhas perguntas, mas ainda não sabia se tinha realmente ajudado sua amiga. Fosse, como fosse, tinha uma chance de funcionar. Quando cheguei no outro dia ao escritório, pedi licença ao meu colega e peguei o currículo de Andreia, que estava em cima de sua mesa.

Olhei novamente as experiências, e decidi escrever um e-mail, quase igual ao que tinha enviado para Cris no ano anterior. Enviei para ela com o título de "Sugestões Para Entrevistas". Fiquei alguns dias sem saber se ela tinha realmente recebido o e-mail. Como não tinha chegado nenhuma mensagem de erro na entrega nem nada parecido, considerei que devia ter chegado, mas que, talvez, ela ainda não o tivesse lido.

Quase 3 meses depois, e pouco antes de eu pedir demissão da empresa, recebi um e-mail de Andreia. "Rannison, quero agradecer. Seu e-mail e seu método me ajudaram muito. Fui contratada por uma multinacional de telecomunicações e começo no mês que vem." De novo alguém falando de "método" e de novo aquela sensação maravilhosa, que só consigo chamar de felicidade, me inundou. Eu que tinha passado por uma depressão algum tempo antes, não sentia aquela sensação havia algum tempo. Só consegui responder: "Sucesso para você!", lembro de digitar as palavras leve, enviar o e-mail e escrever um texto que chamei de "Você Tem Fome de Que?". Depois disso, chamei minha chefe para almoçar e pedi demissão.

Mas, Andreia respondeu meu e-mail. E, tão breve quanto o meu, o dela dizia apenas "você deveria ensinar isso a mais gente." Pronto. Eu queria um sabático. Andreia dizia que eu tinha um dever. Claro, ela não dizia isso. Era aquele "negócio" dentro de mim interpretando segundo sua própria hermenêutica. Bem, mais uma vez, lá fui eu "pensar com meus botões". Cheguei em casa e fiquei deitado na cama olhando para o teto e pensando se deveria mesmo me propor a isso. Afinal, quem era eu? O que eu tinha de tão especial para me meter a ensinar quem quer que fosse? Já tinha tanta coisa disponível. Eu não teria tempo para aquilo, pensei. Mas aí veio aquele "negócio", assim seco: "Tempo é tudo que você tem agora, desempregado. Aproveite e pense em como se ajudar nas entrevistas. Pare de frescura e comece agora."

Fiquei até um pouco envergonhado comigo mesmo, confesso. Não por estar desempregado, tinha pensado naquilo com calma e estava pronto. O que me constrangia eram os meus próprios pensamentos. Gastei uns 2 ou 3 dias rabiscando, escrevendo, pesquisando alguns tópicos até conseguir fazer um mosaico do que poderia ser o tal do "método". Ainda estava ruim. Melhorei um pouco mais, e depois mais um pouco até ficar o mais simples que consegui imaginar. E, pronto. Foi assim que surgiu. (Continua Amanhã)


 
 
 

Comments


Since 2021. por Rannison

bottom of page