Humanamente Contraditório
- rannison rodrigues
- 28 de nov. de 2021
- 4 min de leitura

Cazuza, assim como eu, nasceu no dia 04 de Abril. Somos, os dois, o terror dos supersticiosos. Os chineses, por exemplo, dizem que o 4 é um número agourento, de má sorte, ligado a morte. Não sei o Cazuza, mas eu, decidi caprichar e nasci as 4:00 da tarde, pontualmente. Nenhum minuto a mais. Sempre fui atrevido. E quando se ouve a música do meu xará de data de nascimento, é impossível não mandar às favas essa história de mau agouro, má sorte, morte. Quanta vida há em Cazuza? “Exagerado, jogado aos seus pés…”; “Quem vem com tudo não cansa.”, quanta humanidade há ali? O homem era um gênio indomável.
Digo era porque não pode mais criar, mas o que deixou continua me provocando, me fazendo pensar na vida, nas minhas escolhas, na minha coerência. Você escuta Cazuza? E o que ouve? No meu caso, às vezes, parece que ele está cantando a minha vida. Me identifico tanto que acho até que a música foi feita para mim. E são várias. Mas, esse texto, nasceu de uma em particular. Ela diz assim: “Faz parte do meu show…”
Talvez você já a conheça e, se não for caso, fica a sugestão. Ouvi-la me fez pensar em quão contraditório eu sou. Também já se sentiu assim? Há uma parte da música que diz, mais ou menos: “Faço promessas malucas tão curtas quanto um sonho bom”, “Digo “Alô” ao inimigo encontro um abrigo no peito do meu traidor” e continua: “Faz parte do meu show…” Uau! Ele fez essa para mim, só pode. Eu faço isso mesmo. Você também?
Às vezes, por exemplo, prometo que não vou mais pensar em determinada pessoa ou situação e digo que a questão está encerrada. Dou minha palavra de honra para mim mesmo, nada me fará voltar naquele assunto, certeza que está acabado, mais certo que a morte. Horas depois, eu me pego pensando naquela pessoa, naquela situação. Demorou tão pouco, tão curto quanto um sonho bom.
E quando a gente escreve, esse tipo de incoerência vai aparecendo e estapeando a gente. Você vai se observando e pensando que a emoção parece água, é como maré. Ela sobe e desce, vai e volta, é calmaria e tormenta. Como é difícil ser coerente. É como se o que você é mais internamente, estivesse, o tempo todo, tentando ludibriar esse alguém que você criou e tenta manter vivo. Como se o ator estivesse querendo sair da personagem antes do espetáculo acabar. E isso, como diria o genial Cazuza, faz parte do meu show. Do seu também?
Você também diz ”Não me procure mais.” quando o que queria realmente dizer “Eu te amo, mas dói demais isso que você fez.”? Ou quem sabe você não diz nada, só some, bloqueia a pessoa nas redes sociais, para de ter contato e fica se roendo de saudade por dentro, com o pensamento fixo, imaginando coisas boas, criando realidades que não existem e nunca vão existir. Talvez nem um e nem outro, mas decidiu ser sério demais ou brincalhão demais para oferecer algo com que as pessoas consigam lidar, porque é mais fácil mostrar só o conveniente. Afinal, a profundidade do oceano assusta, mas na beira da praia não dá tanto medo de se afogar. Seu caso? Meu também. Mas, não se preocupe, fica só entre nós dois.
E olha, meu amigo, nesses últimos tempos, tenho visto a roda da vida de perto. Algumas vezes de cima e outras me sentindo atropelado por ela. Tenho prestado atenção. E quando a roda gira, e gira, e gira, dá uma sensação de déjà vu tão estranha. Você já sentiu isso? Já sentiu que tinha visto aquele filme antes, mesmo sendo totalmente novo? Já sentiu que já sabe o fim do bendito filme depois de só ter assistido os primeiros minutos? Seja como for, a roda continua girando. E eu continuo aprendendo e descobrindo o que faz parte do meu show (e o que não faz).
E, definitivamente, não faz parte do meu show ser perfeito. Porque a perfeição é algo que eu nem entendo. Porém, imagino que se pareça com uma coerência contraditória, "meio Bossa nova e Rock and Roll". Está no oposto, no "erro", no vai-vem das ondas do mar. Afinal, se Deus é perfeito e está em tudo, então tudo é perfeito como é. Não precisa de mais, nem menos. Só precisa ser realmente, e seguir seu caminho. Então, foda-se a coerência, eu prefiro ser real. Real como o momento é, profundo com o oceano que ninguém vê. Nada de beira de praia com marolinha, nada que caiba no molde de pessoa ideal. Prefiro ser contraditório. Faz parte do meu show…
E proponho um brinde às contradições, essas musas caprichosas que abrem os portais das possibilidades. Imagine só como a vida seria monótona sem elas, essas fábricas plot twist. Que graça teria existir se tudo estivesse ali certinho e programado? Benditas sejam. Não? Por Deus, sem elas, como você se convenceria a arrumar a própria cama de manhã, sabendo que dali a algumas horas vai bagunça-la novamente? Ave, Contradição! Equipe-se com ela, dê um abraço, chame para uma partida de xadrez e jogue de brancas. Não se defenda. Avance, mas com amor, sem pressa. Flua com ela num balé, como nas curvas de uma mulher, como uma onda no mar ou um pôr do sol. Deixe a roda da vida girar e aproveite o espetáculo. Esqueça a plateia. No palco, quem dá as cartas é você. E esse é o único público que você precisa encantar. Então, que seja contraditório. Que seja real como o momento, ainda que tão curto quanto um “sonho bom”. Boa segunda!
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