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Invulgar


Desde criança me acho diferente. E não estou falando de me sentir melhor do que os outros. Na verdade, na maior parte do tempo, me sentia pior. Meu sentimento era, e ainda é, de não entender bem as pessoas e ser pouco entendido por elas. Acho que isso começou com o meu nome. Extremamente incomum, de pronúncia duvidosa. Quando eu era bem pequeno, sofria muito com toda a desdita que meu nome me impunha. Era o cara do nome diferente.

Crianças podem ser bem cruéis nas suas brincadeiras e, para completar, meu cabelo, a pinta no meu rosto, meu jeito meio avoado quando criança, eram outros fatores que ajudavam a me sentir ainda menos parte daquilo que estava a minha volta. Eu não me encaixava. Há outros exemplos que poderia dar aqui, entretanto, o que realmente me fazia sentir distante, era não entender porque certas coisas eram importantes para as pessoas.

Até hoje, não entendo. Por exemplo, faz sentido discutir se a terra é plana ou não? Que diferença faz o formato da terra se estamos destruindo ela tão habilmente? Se ela fosse cônica, seríamos menos estúpidos? Esse tipo de discussão, especialmente aquelas que dividem as pessoas, nunca fizeram sentido para mim. Nunca entendi porque torcidas de clubes de futebol matavam-se umas às outras. Nunca teve sentido o dinheiro fazer as pessoas se acharem melhores que as outras.

Mas, conforme a gente cresce, vai se contaminando com algumas dessas ideias prontas. Vai se deixando levar pelas bobagens de todo dia e se perde. Ainda hoje, às vezes, me vejo sem ânimo, por achar que nossos motivos são muito pouco, são muito banais: fama, dinheiro, poder, tudo tão passageiro. Tudo tão monótono, tão repetitivo.

Gerações passaram e virão, homens e mulheres cheios de potencialidades investidas em coisas que não justificam uma vida. Você sabia que Alexandre, o Grande, depois de tanto conquistar poder, fama, dinheiro; em seu leito de morte; ordenou que o enterrassem com as mãos para fora do caixão? "Quero que vejam que vim ao mundo de mãos vazias e de mãos vazias sairei". Apesar de tudo, continuamos mortais. Você não é mais e nem menos por ter fama, poder ou riqueza. Acho que foi isso que ele quis dizer com o gesto. E por terem achado o pedido tão estranho, aposto que Alexandre também era um "peixe fora d'àgua".

Nessa minha sensação de desencaixe, continuo não entendendo direito: Por que não dizemos "te amo" para quem a gente ama? Por que a gente tem que ser de um certo jeito pra ser querido? Por que a gente se odeia por causa da cor da pele, da religião, da classe social? Por que damos tanta atenção ao medo? Por que lembramos tanto do que doeu? Será que é verdade que algumas pessoas são melhores que outras? Continuo me perguntando essas coisas.

E ainda me sinto um peixe fora d'água. Um sujeito invulgar. É como se eu não fosse realmente daqui, sabe? Quando tenho vontade de dizer te amo, eu vou lá e digo. Às vezes, me ferro, é verdade. Mas, nunca me arrependo. Sonho com coisas, vejo coisas que ninguém vê, tenho umas ideias que quase ninguém entende ou leva a sério: "E se as pessoas pudessem se emprestar as coisas ao invés de comprar tanto e ainda ganhar um dinheiro com isso? Qualquer um poderia ter um salário." ou "E se a gente pudesse adestrar esses cãezinhos abandonados para funcionar como "terapeutas" para gente com depressão, ansiedade, síndrome do pânico, por exemplo? Daria para cobrar por isso? Com o dinheiro a gente alimenta os outros cãezinhos e diminui a quantidade de bichos sem um lar. Isso ajudaria alguém?"

Às vezes, tudo que eu queria é ver além dessa névoa de materialismo, sabe?Acho que carrego comigo essa coisa que não vê preço, nem fama e nem se importa de tomar umas porradas no caminho, se puder fazer alguma diferença para alguém. Aprendi com o Alexandre que as mãos vem e vão vazias, mas meu coração quer ir repleto, ele é repleto e quer deixar outros assim também antes de partir. Dar uma força para a geração do meu filho e para as que ainda virão. E toda vez que penso nisso, não me parece assim tão excêntrico.

Sentar no fim de semana e desperdiçar o tempo com banalidades, me parece excêntrico. Julgar pelas aparências me parece excêntrico. Viver uma vida baseada em ter coisas só para si, isso sim, me parece bastante excêntrico. Seja como for, só preciso olhar em volta para entender que nem todo mundo; ou quase ninguém; pensa assim. E se pensa faz um excelente trabalho dissimulando as atitudes.

Apesar disso, carrego comigo a certeza de que há mais gente por aí que também pensa parecido. Talvez você mesmo que está lendo isso agora. Se chegou até aqui, talvez pense parecido, talvez também veja o que eu vejo. Quem sabe você também é um sujeito invulgar. Quais são os seus sonhos? Quais são as suas dores? O que você quer levar daqui quando chegar a hora de partir de mãos vazias?


 
 
 

1 Comment


Tiago Silva
Tiago Silva
Jun 08, 2021

Da série: "Só trago verdades"... Vivemos num mundo com tanta divisão que estamos dividindo até mesmo aquilo que não temos... Isso seria cômico, se não fosse trágico. E quando pensamos fora da caixa, achamos até que estamos errados...

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