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Logo Ali…


"É logo ali!" Quem já ouviu isso vindo de um mineiro sabe que o conceito de distância pode ser muito relativo. O próximo quarteirão é "logo ali", mas o cinturão de orion, também pode ser. 535 dias de distanciamento social fazem a gente pensar muito nessa coisa de "distância". Aliás, depois de um ano e meio de trabalhos forçados de introspecção, algumas ideias simplesmente não sobrevivem.

Uma delas é a de que foi o COVID que nos levou ao distanciamento social. Não acho que seja o caso. Já tínhamos dado início à prática há muito tempo. Sei que, se você sofreu e ainda sofre com as medidas restritivas, pode se incomodar com esse pensamento. Acredite, eu te entendo. Quase fiz meu próprio "Wilson" aqui em casa com um tênis velho. Mas, continuo achando que nós já tínhamos iniciado esse distanciamento social há muito tempo.

Se, ultimamente, tem te ocorrido ideias como: puxar conversa com o entregador pelo aplicativo, ou dar uma ligada para o telemarketing só para engatar uma prosa, ou ainda, se te aconteceu de acordar "com uma vontade danada…de bater na porta do vizinho e desejar 'Bom dia!'", precisa admitir: essas pessoas estavam por ali o tempo todo. Mas onde você estava?

Talvez o seu corpo estivesse mais perto das pessoas, mas e você? Estava mesmo lá? Eu percebi que não estava. Passei muito tempo com a minha pressa, com as notificações do celular, pensando na próxima reunião, no que diria em seguida, etc. Não "convivi o momento", não olhei nos olhos como se deve. Estava distante, feito um náufrago com uma bola de vôlei. O COVID só me ajudou a perceber e admitir.

A gente precisa mesmo dos outros. Não só como uma relação de cooperação para a sobrevivência, mas pelo prazer de lidar com outros universos. Ainda que seja difícil, às vezes, por causa das diferenças e mesmo que pareça haver um abismo nos separando, o outro "é logo ali". Os mineiros têm razão. Talvez não seja tão perto quanto a distância de um abraço e nem tão longe quanto as estrelas que a gente vê no céu. O outro está sempre ao alcance do nosso pensamento, das nossas intenções, do nosso sentimento.

Pode ser um vizinho de porta, um amigo do outro lado do mundo, um filho que mora numa outra cidade. Nosso sentimento nunca respeitou distâncias, e a distância nunca se prendeu ao espaço. Os mineiros compreendem isso como ninguém. É logo ali! À distância de uma ligação, de um "E, aí?", de um "tô com saudade", de um "Oi sumido!". Logo ali! Nem longe nem perto, exatamente onde o seu pensamento consegue chegar. É um exercício de concentração, de presença, de conexão.

E acho também, que não há limites físicos. Mesmo que a pessoa já tenha falecido, é logo ali. Se quando você lê Platão ou Gabriel Garcia Márquez, consegue se conectar com eles. Com as ideias deles, com a essência do seu pensamento, então consegue fazer o mesmo ao lembrar das pessoas queridas que se foram. Acho que dá até para pedir conselhos e dar boas risadas para diminuir a saudade.

Já escrevi sobre isso antes: minha vida foi uma sucessão de chegadas e partidas, deixar pessoas queridas, fazer do aqui a minha casa. Cheguei a pensar em porque a vida leva as pessoas que a gente ama para tão longe. É que eu não tinha entendido ainda. Elas estão aqui, em mim, o tempo todo. Logo ali, ao alcance do meu pensamento, tão perto quanto a minha presença, a minha intenção, a minha lembrança. Acho que isso é igual para todo mundo.

O outro, esse ilustre universo particular, orbitando na galáxia que a gente chama de vida, é logo ali. Não deixe as aparências enganarem você. Uma máscara não esconde ninguém, é a nossa indiferença que torna as pessoas invisíveis. E mesmo que você esteja se sentindo meio enferrujado nessa coisa de socializar ou de estar presente, exercite a arte do possível, dê o que puder. Não perca nenhuma oportunidade.

Recentemente, percebi que estou um pouco destreinado na arte da interação social. Certa manhã, de tão feliz em ver meu porteiro fora do cubículo espelhado onde eles normalmente ficam, não me contive e exclamei. "Porra, Marião! É muito bom ver gente, obrigado cara! Essa galera de Pinheiros não é de dar bom dia não, né?", demos risada e ele emendou: "É, seu Rannison, mas o seu flamengo, hein!? 4 a 0 no meu Santos." Confesso que pensei em fazer piada, mas não quis estragar o momento. Aí, só saiu um "É, Marião…acontece, acontece." Preciso treinar mais. Um 4 x 0 é oportunidade que não se perde. Seja como for, não precisa ser perfeito, só vá e socialize quando puder. Não deixe apagar a chama. Bom fim de semana!


 
 
 

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Since 2021. por Rannison

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