O Mar
- rannison rodrigues
- 14 de jun. de 2021
- 3 min de leitura

Já declarei muitas vezes o meu amor às montanhas. Há várias fotos delas por aqui e, de fato, é um prazer vê-las e estar com elas. Mas, o meu primeiro amor na natureza é, sem dúvida, o mar. Aquele cheiro de maresia, o barulho das ondas quebrando na praia, pegar "jacaré", tomar "caixote" no fim de semana. Chegar todo ralado em casa, mas leve, purificado pela água salgada. São todas memórias de infância e vida adulta. Memórias de uma vida toda.
Cresci perto do mar. Dava uma preocupação danada para minha mãe quando colocava a prancha debaixo do braço e ia me aventurar por Cabo Frio. Sempre dava um jeito de chegar em casa parecendo o mais digno possível, mesmo quando o mar tinha me dado uma surra. Passei alguns momentos difíceis na casa de Netuno, mas, felizmente, Iemanjá sempre intercedeu e eu consegui voltar para casa.
Durante algum tempo o mar me causou muito medo. Passei a me testar sempre que podia, só para mostrar ao meu medo quem é que mandava. Mas, no final, nem eu nem meu medo saímos triunfantes, o mar vinha mostrar quem realmente estava no comando por ali. Que saudade dessa época. Aprendi muito e me diverti muito também com os "perrengues". Mas, com o passar do tempo, aprendi a respeitar o mar.
De repente, as criaturas interessantes que vivem nele, começaram a me chamar mais atenção. Peixes, pinguins, arraias, etc. O que me causava profundo medo, com o tempo, passou a provocar reverência. É tão bonito. Uma lógica perfeita parece orientar tudo que acontece. O vento, as ondas, o som do mar encontrando o rochedo, os tatuís na areia, se escondendo, voltando ao mar. Tudo parece ter um ritmo perfeito.
Nessas horas eu parava de prestar atenção ao meu pequeno eu, e só sentia aquela infinitude à minha volta. Aquela onda ali, pensava, talvez estivesse chegando do outro lado do mundo, sabe-se lá depois de quanto tempo de viagem. Talvez ela fosse apenas uma lembrança de uma tempestade longínqua, apenas um reflexo de um lugar e um tempo distantes, passando por mim. O mar liga o mundo inteiro e estar nele, me dava a chance de entender que nada está realmente separado.
Eu era só um pontinho ali, tão pequeno no meio daquela imensidão que só conseguia sentir paz. Aquilo me mostrava a verdade da minha insignificância relativa, mas também que eu fazia parte de algo muito maior. No final, acho, a vida do ser humano é como atirar pedras num lago. Depois de jogar a pedrinha, ela gera ondas. Em algum lugar, em algum momento, essas ondas vão chegar a alguém. E mesmo que seja um desconhecido, o efeito do que nós fizemos vai toca-lo de alguma forma. E foi o mar que me ensinou isso. Não somos tão diferentes das tempestades que criam as ondas, somos como elas. E somos parte de um todo maior.
No mar, tive a chance de ver coisas tão bonitas e tão imponentes, que por alguns instantes quis parar (mesmo quando não podia) para admirar e contemplar. Nadar no canal do Panamá, ou atravessar a praia da Copacabana nadando, por exemplo, são visões deslumbrantes. Mesmo que a água esteja tão escura que você não consiga enxergar a própria mão depois de uma braçada, mesmo que esteja tão gelada que você pare de sentir o próprio rosto por alguns instantes. É difícil descrever o sentimento, mas é algo como uma integração, uma fusão. Se tornar parte daquele ambiente, daquele instante. Deixar de ser um corpo separado e ser uma partícula de um todo muito maior. É reconfortante.
Minha saudade do mar se exacerbou com a vida em São Paulo. Antes, podia só atravessar a rua ou dirigir alguns minutos, e pronto. Por aqui a coisa é bem diferente e, com a pandemia, ficou ainda mais difícil voltar ao meu querido lar salgado. Entrar em contato com essas lembranças me fez perceber quanta falta eu sinto de estar em contato com a natureza, porque ali eu me sinto infinito, me sinto parte da imensidão e não uma solidão completa. Por lá eu entendo Fernando Pessoa: "Porque eu sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura." Somos mesmo.
As circunstâncias nos colocaram dentro de uma redoma. Nossas próprias casas, nossas máscaras, nossos medos, nossos hábitos. Tudo parece querer nos isolar, nos apequenar, nos colocar do tamanho da nossa altura. Mas, por favor, pense um minuto: O que te faz sentir infinito? O mar já me provou que se sentir assim é uma questão de perspectiva. Talvez as suas telas ou as janelas não te ajudem a lembrar disso. Mas, se eu pudesse te pedir um favor, só um, seria essa resposta: O que te faz ser do tamanho do mundo, do tamanho daquilo que vê?
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