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Pegue Leve Com o Açúcar


“Diabético” é quem não consegue ser doce. (Mario Quintana)

Dentre as coisas mais importantes que aprendi na minha vida está a parcimônia com o açúcar. E para um ex-gordinho, amante de chocolate, lidar com o desejo insaciável pelos doces não foi coisa fácil. Eu era como um viciado que não conseguia se livrar de uma droga. Por que algo tão agradável ao paladar podia ser tão danoso à saúde? Pensava comigo mesmo. Mas, o tempo e alguma maturidade foram me ensinando a pegar leve.

O gosto pelos doces não morreu, mas o paladar mudou muito. Notei que o mal não estava nas coisas de que eu gostava, mas sim no excesso. Me excedia muito naquilo que me agradava. O nó das coisas, aliás, parece mesmo estar nos excessos, nos extremos. Mas, aprendi também que isso podia ser extrapolado para qualquer outra área da vida. Era preciso controlar os elementos, até achar a medida certa.

E veja só, quando falo de pegar leve com o açúcar, estou falando também daquelas situações na vida em que a gente se inebria com algumas ideias e atitudes que nos parecem doces, mas que são muito danosas à nossa saúde, principalmente a saúde mental. Às vezes, se achar especial demais, esperto demais ou dono da verdade, pode nos dar uma sensação maravilhosa de auto-importância, mas, olha, pode fazer um mal danado também.

Quem nunca fez doce com aquele pretendente que estava super interessado? Quem nunca fez charme visualizando a mensagem e não respondendo de pronto, só para manter o suspense? Quem nunca esperou o telefone tocar mais algumas vezes para atender aquele telefonema que estava esperando ansiosamente? Agenda "lotada", então…alguém? Qual era o objetivo disso? Fazer firula, charme ou, como dizem de onde eu venho, o famoso “cú doce”.

Me desculpe o leitor mais sensível, mas a transliteração foi necessária dada a evidente conexão de sentidos estabelecida pela glicose. E aí está a questão: pegue leve com o açúcar. Não só com o que ingere, mas também com o que coloca nas suas atitudes. Perdi muito com isso. Tentando parecer mais esperto, mais forte, menos interessado, menos incomodado, “mais fodão”. Foi uma péssima ideia.

E não é que eu não me sentisse mal. Mas, você se torna tudo aquilo que pratica. Tudo o que fizer com frequência, se tornará um hábito e passará a fazer parte de você. Eu, por exemplo, parei de perceber que já estava muito doce e ia aumentando a dosagem, mesmo que ela já estivesse absurdamente alta. E então, repetia o ciclo de novo, e de novo, e novamente. Tive mesmo um período de reabilitação do açúcar, sabe? E foi difícil. Começar a comer chocolate meio amargo foi estranho. Café sem açúcar? Não gostava. Hoje não consigo voltar ao açucarado, acho péssimo.

O mesmo aconteceu com as minhas atitudes. De um cara que tinha vindo da comunidade, com períodos tão difíceis que sequer tinha o que comer, eu me tornei um sujeito crítico, chato, metido a besta, que sempre tinha razão e que nunca estava disposto a fazer concessões. Fosse pelo que fosse, nunca baixava a guarda, nunca estava vulnerável. Mas, é claro, ninguém é realmente assim. Eu só tava “fazendo doce”. E aquilo, percebi depois, me amargava a boca, o coração, a vida.

De tanto “fazer doce” com a vida, a gente se habitua, se torna “diabético”. E segundo Mario Quintana essa é a deficiência de quem não consegue ser doce. Então, foi assim: de tanto fazer doce, esqueci como era ser doce. Mas fui lembrando quando um certo molequinho nasceu. Vendo meu filho ali tão pequeno nos meus braços, não consegui segurar o choro. Ainda assim, fiz doce e não admiti que chorei. Que bobagem. Se pudesse voltar agora àquele momento, choraria mais, largado mesmo, e tiraria até foto.

Pegue leve com o açúcar ou ele vai pegar pesado com você. Não se torne um "diabético" pelo hábito de “fazer doce” a troco de nada. E mesmo que, às vezes, tirar o açúcar seja difícil, vai chegar uma hora que você não vai mais conseguir se imaginar voltando às versões açucaradas. Porque você passa a sentir o sabor das coisas mais intensamente: das comidas, das bebidas, dos sentimentos, da vida. Vale a pena. Faz o teste e depois me conta. Boa segunda!

 
 
 

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