Saindo do Armário
- rannison rodrigues
- 1 de ago. de 2021
- 5 min de leitura

Quanto tempo da sua vida você dedicou a corresponder expectativas? Dizer a coisa certa, ter a profissão certa, fazer o que a sociedade te disse para fazer. O rabino Nilton Bonder, em seu livro A Alma Imoral, nos convida a refletir: é possível ser fiel oferencendo fidelidade ao outro, ao custo de trair a si mesmo? Em termos mais amplos, é possível ser feliz apenas mantendo os outros "felizes" e traindo a nossa própria medida de felicidade?
Eu achei que fosse. Me dediquei, desde os meus primeiros anos de vida, a ser o melhor filho que pude, a ser a "voz da razão" num lar conflitivo, a ter sucesso profissional, a dizer as coisas certas, a colocar meus interesses depois dos interesses alheios, a "não dar trabalho". E advinha só, não deu certo. Depois de um tempo a gente se desfigura para conseguir corresponder às expectativas alheias. E olha, depois de 35 anos, você fica bom nesse negócio de "se encaixar".
Só que de uns tempos para cá, eu decidi mudar. Nada de ser gentil com gente que não merece. Apenas educação, nada mais (e para algumas, só a distância resolveu). E advinha só, deu certo. Eu sobrevivi e não violentei minha própria consciência. Aí fui tomando gosto pela coisa. Decidi então, que só comeria coisas que eu realmente gosto. Cortei a carne, parei de comer pão, macarrão e coisas com leite. Meu Deus, que maravilha!! Que sensação fantástica.
Mas, sempre que ia comer na companhia de alguém, sobretudo pessoas conhecidas, me perguntavam com ar de incrédulidade e subjacente reprovação: "se você não come carne, trigo e nem nada com leite, você come o quê?" ao que eu respondia estoicamente: "todo os outros alimentos existentes". E como é chato ter que justificar porque você come ou não certas coisas. Torna-se sempre uma conversa que passa por "mas e as proteínas?" e "eu não conseguiria, fico fraco (a)"(embora você não tenha perguntado e nem se importe, sempre dão o testemunho solene de quem sabe o que é melhor para você).
Não obstante, fui descobrindo outros pequenos prazeres como simplesmente discordar de opiniões, sem buscar nenhuma forma de diplomacia, apenas dizer: "Não concordo com você. Acho que o presidente realmente é inepto e não faz jus à responsabilidade que foi confiada a ele." para logo depois ouvir os argumentos da outra pessoa, sem precisar contemporizar. Só expressar meu próprio pensamento, sem esperar ser querido ou compreendido, sem precisar estar certo. Só ser autêntico, íntegro, coerente com a minha verdade.
Seguir esse caminho me mostrou o seguinte: você precisa estar disposto a pagar um preço para ser o que realmente é. E os boletos chegam com enorme frequência, incluindo contas de reprovação ostensiva, crítica didática, distanciamento profilático, incompreensão pura e simples, ou até mesmo, pasme, antagonismo. É isso mesmo, tem gente que passa a te olhar com olhos de "esse aí acha que é melhor que a gente."
Era disso que eu fugia. Queria fazer parte, queria que alguém me dissesse que eu era digno, que me aceitasse e gostasse de mim. Só esqueci que me esforçando tanto, eu deixava de ser eu, e aí tudo perdia o sentido. Porque se "encaixar" também tem um preço. E eu não estou mais disposto a paga-lo porque é muito alto, e as únicas moedas aceitas são tempo de vida e paz de espírito. Já chega de desperdiçar os meus com a opinião alheia.
Ter que justificar porque como o que como, porque penso como penso, porque faço o que faço, é cansativo. Confesso que, às vezes, dá vontade de só não continuar a conversa, o que, de vez em quando, é o que realmente faço. Evita a fadiga. E isso me fez pensar nos gays. Fiquei imaginando alguém tendo que justificar porque gosta de fazer sexo com pessoas do mesmo sexo.
Veja, caro leitor, é só o jeito daquela pessoa ser sexualmente feliz, não precisa de uma justificativa. Quem pergunta esse tipo de asneira é que deveria cuidar da própria vida. Mas, fiquei pensando nas milhares de pessoas que passam anos da vida (às vezes, a vida inteira) violentando as próprias consciências para entrar em conformidade com a manada: tentando ser queridos, aceitos, apreciados, mesmo ao custo de não serem íntegros consigo. Que maravilha é poder ser quem se é de verdade. E foi aí que decidi "sair do armário".
Não, eu não sou gay. E se você veio até aqui esperando ler isso, querido leitor, lamento. Adoro mulheres. Na minha opinião, elas estão entre as coisas mais fantásticas que Deus colocou no mundo. Gostar tanto delas, inclusive, já me rendeu enormes dores de cabeça, mas também histórias maravilhosas. Esse meu "I want to break free" não é sobre sexo. É sobre ideias, crenças, conceitos, padrões.
Quero te dizer, e ao mundo inteiro, que eu aceitei. Aceitei que eu sou louco. Isso mesmo, louco. Doido de pedra. E peço a Deus que todos os dias que ainda tenho para viver sejam livres de "normalidade". Te parece normal comer e beber lixo, agredir seu próprio corpo? Te parece normal a promiscuidade, o sexo fast food? Te parece normal que a vida seja só comer, beber, transar, pagar conta e morrer? Para a sociedade em que a gente vive, isso e outras coisas deletérias como o egoísmo, consumismo, o "coitadismo", e outros ismos são o "normal".
Então, pode me chamar de doidivanas, digníssimo leitor. Porque, para mim isso não é normal. E acho que o mundo se converteu num open bar de opiniões que ninguem pediu. Especialmente porque hoje nossas palavras são muito vazias, já que elas geralmente não são seguidas por atitudes e não geram maiores responsabilidades. Então, eu também tenho direito às minhas opiniões. E, a meu ver, a melhor opção é pensar com a própria cabeça.
Por isso, entre outras coisas, penso que ser louco é melhor que ser normal. Quase me ufano de ser doido. Por exemplo, acredito em amor verdadeiro, porque conheci histórias como a da Cristiane e do Clóvis, e sei que ele realmente existe; acho que sexo não é crossfit onde ganha quem faz mais em menor tempo, é mais profundo é troca de energia, é conexão. Acredito tanto nisso que, de vez em quando, faço até jejum de sexo; acredito que o prazer, o conforto e a segurança podem nos tornar fracos e parvos; e acredito também que você não pediu a minha opinião, mas já que esse é o meu blog, imagino que, se chegou até aqui, tinha interesse nela.
Então está declarada a minha saída do armário: sou louco, me julgue, eu não ligo. Mas se você também tá nessa intenção, vou te dar uma sugestão que você não pediu. Quando for sair do armário, não abra a porta aos poucos, não saia discretamente. Enfia o pé com força e arromba aquela porra. Assim, vai ficar bem claro o que tá acontecendo e não vai dar para fechar a porta denovo. Porque, se você fraquejar e pensar em voltar para o "quentinho" dentro do armário, não vai ter essa opção. Queime os navios, não olhe para trás e se prepare para pagar o preço de ser quem realmente é, de saber o que só os loucos sabem.
Boa Segunda!
Comments