Sobre Saudade
- rannison rodrigues
- 18 de out. de 2021
- 3 min de leitura

Tem vezes que a gente passa o dia todo sentindo saudade. E quando isso acontece é como se o presente perdesse um pouco da graça. A gente vai para outro lugar onde tudo é sentimento. Acho que esse poder é uma daquelas coisas que a gente odeia amar, porque sentir saudades é como andar num meio-fio estreito: entretem, absorve toda a nossa atenção e nos mantém oscilantes entre a falta e a presença.
Se me dissessem que saudade dói por ser ausência, eu não poderia concordar. Pode incomodar, posto que é viva apenas na nossa lembrança, mas não é falta. É antes um lugar privado, um universo particular, uma presença incompleta. Pois quando a gente se abraça à nossa saudade, tudo parece mais colorido, as coisas parecem melhores, as pessoas ficam quase perfeitas, extrapolamos o real. Saudade é um campo criativo.
Hoje foi um desses dias de saudade implacável. Aí, me veio a ideia de conversa com a minha. Fui solapado com um nome e a partir daí, o resto do dia fui comandado por ela. Minha saudade, essa senhorinha criativa, me lembrou de tanta coisa, de tanta gente, de tantas situações e daquele nome. Não era falta, querido leitor. Eu tinha era tudo aquilo, mas não no agora. Eu podia sentir o cheiro, podia lembrar da música, dos cabelos, da mesa, do choro. Eu estava lá, mas aquelas coisas não estavam ali comigo.
E foi aí que comecei a pensar que talvez, seja mesmo possível sentir "saudade do que ainda não vivemos" como eternizou o sábio Neymar. Saudade tem parentesco com a imaginação e até com a fantasia, a diferença é que o passado "enforma" a nossa imaginação, dá fronteiras a ela, porque escolhemos aqueles momentos que nos fazem mais falta. Por isso, imaginar o futuro é como ter saudade sem limitações. Podemos sentir o cheiro, ouvir a música, tocar os cabelos, ouvir o choro. Estaremos lá, só que essas coisas ainda não estarão ali conosco.
Essa doce senhorinha que eu apelidei de Dona Saudade, me ensinou hoje que, às vezes, aperta o peito, ou faz a gente dar gargalhadas andando sozinho na rua e, às vezes, faz a gente chorar pelo que nunca mais vai voltar. Mas também me garantiu que nunca é falta, sempre é generosa e nos dá um universo particular de coisas que temos, mas não podemos mais "tocar". Minha saudade me explicou que ela não é passado e nem futuro, é antes um presente imperfeito dentro do coração de todo mundo. E foi então que percebi que sentir saudade é uma sorte.
Afinal, só tem saudade quem vive alguma coisa de verdade, só sente aperto no peito quem tem um coração e só dá gargalhada na rua quem não tem medo do ridículo. E, note, querido leitor, que sentir não é para os fracos e nem para os superficiais, é coisa de gente com G maiúsculo. Antes de se despedir, Dona saudade me aconselhou que aproveitasse cada letra desse texto. "Um dia, lhe trarei essa noite de volta…", disse ela. "…escolha o que vai querer lembrar."
O que você escolheria lembrar do dia de hoje? Quem, o quê, qual lugar, qual música levaria com você para sempre? O que desperta a sua saudade? Como é esse seu universo particular? Seja como for, esteja ele no passado ou num futuro todo seu, fica aqui o meu convite para uma caminhada num meio-fio estreito. Boa segunda!
Bình luận