Todo Carnaval
- rannison rodrigues
- 12 de mar. de 2024
- 3 min de leitura

Qual é a sua história de carnaval preferida? Todo mundo tem a sua. No meu caso, é uma que o meu pai conta de quando eu tinha quase dois anos de idade. Segundo ele, numa tarde de carnaval, brincando comigo, caiu no sono deitado no tapete da sala. Um bloco passou em frente à nossa casa e, meu pai, que tem um sono pesado, não acordou. Eu, no entanto, fui de fraldinha para a folia.
Quando acordou e não me viu, conta ele, vasculhou a casa toda e, não me encontrando, saiu pela rua desesperado. Sem saber onde procurar, no meio daquele monte de gente, foi perguntando aos passantes. Um homem disse ter visto um garotinho de fralda e apontou a direção. Depois de andar um pouco mais, meu pai me viu. “Você estava rindo, dançando no meio daquele monte de gente. Parecia que estava em casa.”, conta.
É verdade que todo carnaval tem seu fim. Mas sempre me pergunto se esse “fim” é no sentido de término ou no sentido de finalidade. Porque as histórias que contamos, necessariamente, dizem algo sobre nós. E como aquele garotinho de fraldas, ainda hoje, quando passo pelos blocos na rua, não consigo conter o sorriso. Alguma coisa dentro de mim ainda dança.
O sujeito barbudo, fantasiado de colombina; os amigos suados e bêbados rindo de nada em especial e de tudo ao mesmo tempo; as moças em seus trajes curtos, ousados. Toda a liberdade e ausência de reverência. Toda aquela atmosfera sempre me provoca um sorriso. Não porque é jocoso, peculiar ou ridículo. Mas porque sinto que descobri um segredo. É um sorriso de cumplicidade. “Seu segredo está seguro comigo. Pode confiar”.
Porque todo carnaval as fantasias caem. As pessoas se vestem de um jeito diferente do dia a dia para ser de verdade. Para dar descanso ao ego besta que se passa por farialimer, influencer, gatinha do insta e o escambal. Naquele tumulto de gente, naquela mistura de suor, barulho e glitter, as pessoas abandonam as máscaras, se deixam ir. São como crianças, estão em casa.
Veja, eu moro em São Paulo. Não é exatamente o melhor carnaval do mundo. O paulista é meio chato para essas coisas. Aqui é tudo sobre negócios, dinheiro, aparências, blábláblá. Porém, até aqui isso acontece. Até em SP, no carnaval, as pessoas passam a dar bom dia, olhar nos olhos dos estranhos na rua e dar risada sem motivo aparente. Será essa a finalidade do carnaval? A saber: desbloquear a vida que sufocamos?
Aliás, dá para chamar de vida uma existência dessas? Assim, meio de mentira. Assim, meio mais ou menos? Rapaz, eu sei que pensar demais nessas coisas faz a gente ficar até chato. Mas todo carnaval eu me pergunto: será que é vida o que a gente vive? Ou será que é só figuração, só fingimento? O que você acha?
De minha parte, o que eu realmente acho é que a vida seria mais simples se tivesse carnaval todo mês, se a gente transformasse os fins de semana em uma semana prolongada de folia. Alguns talvez perecessem porque não sabem brincar (rs), outros talvez sofressem porque não gostam de brincar, mas com 12 carnavais no ano a depressão não resistiria, a ansiedade sucumbiria e talvez a gente desacostumasse das fantasias e do fingimento.
O carnaval desse ano acabou já faz uns dias. Não fui “pular” carnaval porque não gosto do perrengue e correrrei uma ultramaratona em breve. Mas, passei por alguns blocos. E toda vez que estou no meio daquele mundaréu de gente, algo em mim ainda dança. Ainda me sinto em casa. Não pelo ambiente, não pelo alvoroço. Mas porque sinto que tem gente ali, gente mesmo. Só gente, simples, real, emocionada, suada, rindo de si. Sem babaquice, sem charminho e sem eguinho bobo.
Todo carnaval tem seu fim, mas as histórias, não. Todo ser humano tem seu fim, mas a nossa humanidade não. Toda farsa se acaba, mas nosso poder de tocar o coração dos outros, nunca. E esses bobos alegres nas ruas, dançando ao som de uma música que só eles ouvem, tocam o meu coração. Por causa deles me sinto em casa, me sinto vivo, faço sentido para mim mesmo. E é assim porque é real, porque é vivo, porque é humano. É assim porque é carnaval. E todo carnaval é assim. Boa semana!
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