Todo Mundo Sofre
- rannison rodrigues
- 12 de set. de 2021
- 5 min de leitura

Da última vez, falei de perdão. Pensar na própria vida, às vezes, faz pensar na quantidade de energia que a gente gasta com coisas que não nos servem, com aquelas pequenas vilezas que vão se apoderando da gente. E, é claro, depois de um tempo, ao perceber que fomos infiéis a nós mesmos, podemos ser muito críticos e muito duros. Precisamos nos perdoar, estávamos fazendo o nosso melhor.
Mas, se refletir um pouco mais, percebe que você não está sozinho nesse mundo. Todos nós somos tributários de gerações que vieram antes de nós. Cada uma delas fazendo o seu melhor e sendo também tributárias das anteriores. Portanto, cada pessoa no mundo é um aglomerado de outras vidas. Nosso DNA prova isso, nossas relações demonstram claramente e nossa intuição compreende sem esforço.
Não estamos sós, não viemos do nada. Há relações que nos tocam antes mesmo de sabermos racionalmente disso. E se no meu último texto falei em perdoar a si mesmo, não posso deixar de dizer neste que você está lendo: precisamos perdoar os outros. Eles são como nós. Também estão fazendo o seu melhor, também são um aglomerado de outras histórias, também sofrem. Todo mundo sofre.
Há muitas ideias que poderiam explicar porque devemos perdoar os demais. Só olhar para si mesmo já seria o suficiente, para ver os "males" alheios com mais compaixão. Mas, se for preciso mais autoridade, talvez lembrar da frase "Aquele que não tem erro, atire a primeira pedra." possa ajudar. Pense: Você poderia atirar a pedra? E se pudesse e a atirasse, não estaria cometendo assim um erro? Acho que nos julgamos tão duramente, porque somos igualmente impiedosos com os que nos "ofenderam".
Veja, eu não sou capaz de saber a sua história e nem como se sente. Durante muito tempo, sufoquei em mim esses pensamentos, olhei pro lado, achei que simplesmente "gastar" a minha raiva, toda revolta que havia em mim, seria o melhor "remédio". Não foi. Ativar nossas reservas de raiva só ajuda a aumentar a produção. E aí, passamos a ser movidos por ela. Não importa a direção, para dentro ou para fora, tanto faz. Para estar em paz realmente, é preciso perdoar realmente.
Desde os 2 ou 3 anos de idade, consigo me lembrar de palavras como ausência, falta, medo, abandono, violência, impotência. Só pessoas muito, muito próximas de mim sabiam disso até hoje. Mas, quero compartilhar com você um pouco da minha história porque acho que meu objetivo é digno dessa exposição (que sempre evito). Quero te convencer de que "Perdoar é preciso".
Dos 3 aos 4 anos fui criado por uma tia que me maltratava de muitas maneiras. Podiam ser surras ou castigos psicológicos, como ficar preso na varanda num dia de calor ou comer 3 bisnasgas porque aceitei um pedaço do pão quentinho do vizinho e disse que "estava ficando com fome." Não importava o motivo, na verdade. Eu entendi rapidamente que fizesse o que fizesse, eu estaria errado e seria punido.
Era um estado de constante medo e impotência. Minha maior agonia era que eu mão conseguia me defender. Meus pais, que não eram muito presentes e viviam envolvidos nas próprias brigas, não faziam nada para parar aquilo. Então, ali com uns 4 anos, eu decidi que eu podia fazer alguma coisa. Se fosse bonzinho, pensei, poderia ficar em casa e ninguém me bateria. Passei a pedir para minha mãe, todos os dias, para ficar em casa. Todos os dias, sem falta, colocava meu plano em prática, na esperança de que um dia ela deixaria.
Mas ela contou dos meus pedidos à minha tia. E ao imaginar que eu tivesse contado alguma coisa sobre os maus-tratos, as surras pioraram. Até que um dia, apanhei muito mais do que o normal (porque escrevi, por acidente, um "7" na toalha de mesa nova e disse que não tinha sido eu) e meu lábio superior rompeu. Não lembro ao certo o que doeu mais naquele dia, apanhar ou olhar para minha mãe com a boca machucada. Lembro que fiquei com muita vergonha, pensando que eu estava mais feio do que já era. Veja, era um sentimento ruim. Mas, pensando agora, acho que me deu determinação, naquele dia eu decidi que precisava fazer o meu plano dar certo. Fiz o que pude e consegui ficar em casa.
Eu tinha, acho, 4 anos na época e fui agraciado com a chance de ficar em casa sozinho, o dia inteiro, sob a supervisão de uma vizinha, enquanto meus pais estavam trabalhando. Para mim estava ótimo. Podia brincar com meus bonecos, olhar o gato do vizinho e aprontar das minhas. Sempre fui bem criativo. Mas, aí vinham as brigas dos meus pais. Sempre piores, sempre destemperadas. Aquilo me doía um bocado, porque ia entendendo que eles estariam melhor sem mim.
Então, é claro, pensei em um plano. Ajudaria a limpar a casa. Assim meu pai e minha mãe não precisariam brigar mais e iam estar felizes de eu estar por ali. Mas, isso também não funcionou. Passei bastante tempo pensando em porque é que eu estava por aqui. Ninguém gostava muito de mim e, mesmo quando eu era legal, não me davam muita chance. Precisava pensar num plano. E fui pensando em planos até bem pouco tempo atrás.
Jeitos de ter valor, acho. Formas de lidar comigo mesmo, num mundo a que eu sinto não pertencer. Já falei isso aqui antes: nunca entendi muito bem porque damos valor a certas coisas ou porque nós, seres humanos, pensamos como pensamos. Ainda assim, fui tentando me encaixar: ganhar dinheiro, ter prestígio, me testar fisicamente até o limite. Isso me ajudou a conquistar a admiração de outras pessoas. Mas, eu mesmo, não me reconhecia.
Até que, de repente, decidi "sair do armário" e quando comecei a olhar mesmo pra mim, percebi que tinha uma pedra no meu sapato. Era esse nó na garganta, esse aperto no peito, essa vontade de mandar todo mundo "se f*d**!", essa fúria comprimida, guardada, soterrada por camadas e mais camadas de negação, de indiferença, de mentira. Pra ser mesmo quem a gente é, é preciso matar o nosso "gênio mal" e só sei de um jeito de fazer isso: com perdão. Como disse antes, mandando ele à merda.
E o jeito que encontrei de perdoar quem "me ofendeu", foi olhar para mim mesmo e perceber que eu também ofendi. Se me perdoei, posso fazer o mesmo pelos outros. Pela minha tia, pelas pessoas que me humilharam, me envergonharam, me traíram, me disseram que eu não podia, que eu não merecia. Perdôo todos eles. E hoje, eu quase agradeço, porque criaram em mim uma força que eu não conseguiria criar sozinho.
Aprendi com eles a pegar toda a minha dor, todo aquele aperto no peito, aquele nó na garganta e transformar em algo que me leve adiante. E tudo que eu preciso hoje, é de mais um passo. Então, ei-lo aqui: eu perdôo. Porque hoje eu sei como é difícil perdoar a si mesmo. Mas, nada dói mais do que ofender, machucar e humilhar os outros. Nada dói mais do que atirar a primeira pedra. Hoje eu vejo, eu sinto a dor deles. Todo mundo sofre. Tudo que você precisa é de mais um passo. Abandone a sua pedra. Perdoe, se puder. Boa segunda!
Realmente perdoar pra mim é muito muito difícil. Tenho que aprender