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Um Conto Sem Nome (Parte III)

Ao voltar para casa, pegou sua caixa comunicadora e escreveu nela uma mensagem que enviou a todos os amigos. Dizia simplesmente “preciso lhe contar uma coisa, quando puder falar, me avise.” Os amigos curiosos entravam em contato e terminavam a conversa decepcionados. Um deles chegou mesmo a dizer: “Veja bem, você me liga para falar essa baboseira sobre felicidade? Eu achei que era algum podre de alguém, ou alguma coisa interessante. Que história é essa? Eu hein?!”. A recepção dos seus amigos às suas ideias não foi das mais calorosas. Alguns, inclusive optaram por não ser mais seus amigos. Ele tinha enlouquecido, diziam alguns. Era desagradável e inconveniente, diziam outros. Mas o homem, continuou em seu projeto pessoal de dizer às pessoas que a felicidade estava dentro de nós, bastava olhar para ela de um ponto de vista favorável, e as caixas não nos permitiam ver isso. Ele falava a todos, na rua, no trabalho, nas filas para as caixas de pagamento. Numa dessas ocasiões, uma das pessoas na fila para a caixa de pagamento, se indignou: “O senhor, um homem feito, tenha respeito pelos outros. Vir falar contra os governantes, tudo bem. Contra outras pessoas, tudo bem. Mas falar mal das nossas caixas? São elas que nos mantêm vivos, sem elas o que nós teríamos?”, o apoio veemente dos demais expectadores na fila, logo se tornou um burburinho. “O senhor está maluco.” disse um rapaz. “Ele tem cara de maluco mesmo.” emendou uma moça. O homem não conseguia ser ouvido no meio da cacofonia de vozes e decidiu falar mais alto. “Por que o senhor está gritando?” perguntou o segurança do local, também aos gritos. E o volume das pessoas falando aumentou até se tornar uma algazarra. Alguém gritou no meio da confusão: “Chamem a polícia!”. O homem sentiu uma mão forte pegar o seu braço esquerdo e puxá-lo. Não era o puxão carinhoso de uma menininha em luto pela sua vó. Era um puxão forte, violento, de um homem adulto. Em seguida foi imobilizado. “Calma, gente! Não precisa fazer isso com ele.” Alguém tentou argumentar. “É melhor controlar ele, nunca se sabe o que gente doida é capaz de fazer.”. Deitado com o rosto no chão frio, com um joelho em suas costas, o homem experimentava a sensação de ter todo o peso do mundo sobre si. Mal conseguia respirar, mas não sentia medo, nem raiva. A algazarra foi diminuindo, as pessoas foram saindo da fila para esperar a polícia do lado de fora e ver o que aconteceria. Quando o homem falou ao segurança, sua voz soou torturada: “Nos vemos toda semana, meu amigo. Por que hoje pareço mais louco do que em qualquer outra delas?”. A resposta que recebeu foi um pouco mais de peso no joelho que estava nas suas costas e “Cala a boca.” Quando a polícia chegou ao local, exigiu saber o que o homem tinha feito e foi informada de que ele estava incomodando os clientes com uma conversa sobre as caixas serem más. O líder do grupo de policiais, olhou com desprezo a figura frágil do homem a sua frente. “Então você é comunista? Nós não gostamos de comunistas. Preferia que você fosse doido. Você é doido ou comunista?”. O homem respondeu apenas “nenhum dos dois e os dois ao mesmo tempo” e recebeu um forte tapa no rosto. A multidão, que observava a cena, exultou. “Isso mesmo” disseram alguns, outros, no entanto, observavam silenciosos. Aquilo era melhor que os filmes que passavam nas caixas. “Se o senhor não quer me responder aqui, vai responder na cadeia por perturbação da ordem. Algema ele.” Levado para a prisão, o homem não teve chances reais de defesa. Foi preso e sentenciado a um ano de reclusão. Lá, no entanto, quando falava da felicidade, os detentos ouviam com atenção e respeito. Passou a ser considerado um sábio e chamado de “Profeta”. As palavras dele tocavam os homens que tinham ânsia de liberdade e sentido de vida. Contudo, sua influência sobre os detentos despertou a ira dos policiais. Pessoas conscientes do seu poder não poderiam ser dominadas. Aquele homem era mais perigoso do que as armas que eles carregavam consigo, ele precisava morrer. Com o pretexto de uma campanha de vacinação, o “Profeta” foi levado à enfermaria onde recebeu uma injeção letal e morreu quase instantaneamente. Ao saber da morte de seu amigo, os demais detentos, em sua tristeza, decidiram homenageá-lo. Não houve rebelião, nem outro ato violento qualquer. Mas, no outro dia de manhã, em todas as celas, lia-se nas paredes a seguinte frase: “As caixas estão dentro de você e o céu também.” Depois de ler repetidamente a frase, um dos carcereiros perguntou a um dos detentos, intrigado: “O que isso quer dizer?” o homem respondeu simplesmente: “Que vocês são os verdadeiros prisioneiros.” O agente riu sem entender e replicou “Então, tá.”, e voltou a mexer na sua caixa comunicadora.


 
 
 

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